São Paulo, terça-feira, 07 de agosto de 2007

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FERNANDO BONASSI

Filha


As aventuras mais gloriosas que vivemos foram "imediatizadas" pelos sites de fofocas

ANTES QUE chegue esse domingo alardeado pelos anúncios, quando os presentes mais lindos do supermercado podem nos fazer esquecer do futuro lúgubre que eu tenho te legado, queria me desculpar pela herança desses tempos...
Sabíamos muito bem, e há muitas décadas, o que estava velho para mudar. Jovens, mudamos as pequenas coisas que nos faziam tropeçar para que pudéssemos continuar, mas, crescendo, nos amedrontamos da grandeza que era necessário possuir, e agora mal sabemos onde não podemos ir parar com a nossa paralisia.
Assim, dia-a-dia, preferimos nos especializar e estudar maneiras de "ficar"...
E então paramos para nos confortar até quando a urgência de nossos movimentos seria o único alento para colaborar com sua sobrevivência! Transformamos em ciência a conveniência do mal-estar...
Era para chegar e transtornar, mas começamos a negociar para apascentar e fomos reduzidos a este pasto que mal pavimentamos para pousar...
Chegamos, nuns momentos tempestuosos, a achar que a nossa novidade ia acontecer, mas a verdade é que a degeneração preguiçosa de nossa geração preferiu acomodar, supondo que era para o destino prover o que nós devíamos tomar nas mãos e realizar, pagar o preço de investir, de arriscar perder para poder ganhar, ter posição para transformar em realidade a melhor qualidade dos nossos sonhos civilizados.
Está desorganizado, injusto e tolo como esperar para repartir o bolo...
A amargura dessa barbaridade está progredindo às vistas de nossas autoridades delegadas, sendo filmadas por câmeras escondidas pelas polícias, já que os jornalistas acomodados às coletivas e telefones se perderam de procurar saber para informar e esclarecer.
É obscuro mesmo. Os historiadores vivem repetindo essas coisas para nos alertar, mas a gente nem aprendeu a lição do século 20, quanto mais no que esse tal de "novo milênio" -que tememos- vai te dar...
Por minha conta, causa, ou culpa, minha querida, a minha dor mais ardida é a percepção tardia de que vocês vão se dar mal...
Quem sabe pior que nós!
Afinal nossos exemplos dão dó, ou são simplesmente tão ruins, que a lição inteligente que resta para aprender é a decoração daquelas biografias imortais dos imorais de nossas desventuras...
Quanto à nossa contribuição, as aventuras mais gloriosas que vivemos foram "imediatizadas" pelos sites de fofocas das revistas eletrônicas, cuja contribuição à burrice da população só seria suplantada pelas idéias fracassadas, canônicas e conservadoras dos roteiristas ficcionistas e escribas de moral da televisão comercial.
Nossos sindicalistas se tornaram "empreguistas", os subempregados prensados nesses salários ainda acreditam nas "oportunidades" desses capitalistas subsidiados, os capitalistas mais educados lavam as mãos de suas "predações privatistas" com pregações assistencialistas; os presidentes eleitos (acadêmicos ou operários) têm vergonha de seus passados democrático-socialistas, fazendo as mesmas alianças com os latifundiários escravistas e, para corolário desse bando de reacionários, os velhos deputados comunistas se escoram nas imunidades dos fascistas, em nome da lei e sem a menor vergonha de desdizerem o que escreveram ou leram nas teses, nos manuais jurídicos ou juraram nas fichas honrosas e mentirosas dos nossos partidos desiludidos.
Nem mesmo os juízes deixam mais felizes os filhos dos desgraçados, que já preferem as oportunidades dos traficantes aos exemplos edificantes dos senadores que se penduram por pentelhos aos seus cargos.
Preferimos grudar para não cair...
A queda seria longa, dura e insignificante.
Nada mais fizemos do que deixar passar, já que aprendemos a nos calar, não reclamar, nem questionar, como se gritar fosse horroroso, reclamar, coisa de louco, e questionar, desnecessário para construir...
Acontece que, ao contrário dos nossos pais -e talvez pela primeira vez na história deste país também-, juramos nas praças emocionadas que não íamos nos acomodar...
Bem, por muito menos do que isso fizemos o serviço que era mais fácil, tranqüilo e mixo -o de perseverar no mesmo lugar-, quando devíamos ter nos dado ao trabalho de criar, investir e dividir para prosperar.
Devíamos estar cansados do que não fizemos.
Em nossa casa este será um dia para lamentar.
Com amor incondicional;
Teu pai.


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