São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"História do Pranto"

Estilo vertiginoso compromete boa trama

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A não ser nos casos evidentes de metalinguagem, de crítica sobre si mesma, é de se esperar que a linguagem narrativa mantenha alguma organicidade com o que trata, evitando simplesmente a vertigem do "belo", afirmando-se incessantemente como estilo. Ou, se for para ser belo, que seja necessário. Infelizmente, não é o caso do mais recente romance (ou novela) de Alan Pauls, "História do Pranto", cuja linguagem é bela, mas não necessariamente. As palavras, as frases, as construções sintáticas engolem a narrativa, chamando continuamente a atenção sobre si mesmas e desfocando a atenção do objeto abordado. Muitas vezes, tem-se a impressão de que estamos mais diante de um certo malabarismo verbal do que diante de um trabalho ficcional elaborado. A novela traz a história de um garoto criado durante a década de 70, na Argentina, por pais separados e aparentemente liberais. O tempo narrativo vai e volta de forma labiríntica e eficaz, levando o leitor por várias épocas na vida do garoto, inclusive a um show de um cantor de protesto, recentemente anistiado, no qual enfim ele descobre a origem de seus conflitos: diante do pai, ele se sente coagido a sofrer, a usar a dor como linguagem e a chorar, coisa que não consegue fazer em nenhuma outra situação. E as situações são muitas: a queda de Allende e a dificuldade do personagem em chorar, apesar da militância comunista; a separação de uma namorada chilena de família conservadora; o seu ódio pela mãe depressiva, que o abandona nas mãos de um suposto vizinho militar, e a sua euforia em esperar pelo jornal mensal "La Causa Peronista". A crítica ao monopólio e ao uso da dor como moeda, pela geração perseguida pela ditadura militar, que insiste em criar seus filhos calcando-os no medo e na culpa, é um tema forte, movediço, e o romance cria passagens comoventes e uma trama bem arquitetada de acontecimentos. Da mesma maneira, não há como negar que estamos diante de um estilista habilidoso. Mas o que falta é justamente a marca de dependência entre a língua e o assunto. A que serve a hipnose vertiginosa das frases? A que serve o excesso de intervenções parentéticas?

Método da boa frase
A dor como conflito (a história do pranto) fica escondida por trás de uma espécie de onipresente método da boa frase. "A dor é sua educação e sua fé. A dor o torna crente", mas não conseguimos compartilhar de suas dificuldades, perdidos que ficamos em um misto de labirintos sintáticos, um final inesperado e estranhamente patético e uma ironia descolada do apelo à identificação com a dor do personagem e como linguagem (o narrador ironiza o desejo que o pai tem de que o menino "se expresse", ironiza "o próximo", "o pranto", o desejo de "compartilhar"). Sinais múltiplos e centrífugos que fragmentam a narrativa em vários pedaços: quase todos belos, mas, em boa medida, em vão. Se concordarmos com Baudelaire, que disse que "o belo é um combate em que o artista grita de pavor antes de ser vencido", faltam aqui o combate e o pavor, pois a beleza impera solitária.

HISTÓRIA DO PRANTO
Autor: Alan Pauls
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 29 (88 págs.)
Avaliação: regular



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Sistema carcerário será "vilão" de novela
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.