São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2008

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o sumiço da papoula

Muito usada por descendentes europeus em strudels, tortas, pães e bagels, as sementes desapareceram do mercado

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

No início de abril, como faz todos os anos há quase três décadas, a fotógrafa paulistana Anita Hirschbruch foi à Casa Zilana, em Higienópolis, comprar sementes de papoula. Festa de aniversário sem torta de papoula, nem pensar.
Não encontrou. Ouviu algo sobre uma proibição da comercialização do ingrediente. Estranhou. O que haveria de errado com as inofensivas sementes que aprendeu a apreciar, ainda criança, como tantos outros descendentes de europeu? Incrédula, rodou os lugares que conhecia, do Mercado Municipal à Casa Santa Luzia. Em vão.
"Como é uma receita especial, herdada da minha avó alemã, sempre fiz só nos meus aniversários. Os amigos adoram, esperam, cobram", conta Anita. "Entrei em parafuso. Justo no meu aniversário de 50 anos?"
Conseguiu encontrar, depois de muita peregrinação, em Jundiaí. Comprou o estoque todo: 400 g. "Usei pouco mais da metade na torta e não tenho coragem de gastar o restinho."
O dilema da fotógrafa é compartilhado por donos de docerias e restaurantes. A minúscula semente, meio acinzentada e de sabor peculiar, levemente amargo, sumiu do mercado nos últimos meses e, junto dela, strudels, tortas, bagels e pães.

O calvário das papoulas
Ao contrário dos boatos que se espalharam pela cidade, a importação, a comercialização e o consumo das sementes de papoula não foram proibidos. Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), só "o cultivo da papoula (Papaver somniferum L.) é proibido" porque "dá origem a entorpecentes, como heroína e ópio".
"A única maneira de a semente ser utilizada no país é por meio de sua importação", diz a gerente-geral de Inspeção e Controle de Insumos, Medicamentos e Produtos da Anvisa, Marília Coelho Cunha.
É aí que começa o calvário... Para importá-la, as empresas têm de acatar regras de uma resolução de 2002, a RDC 239. Entre as determinações, estão a necessidade de 1) apresentar um documento no qual conste que as sementes "provêm de cultivos lícitos"; e 2) provar que se tratam de "sementes sem capacidade germinativa, ausentes de entorpecentes e não-oriundas de apreensões".
Apesar de essa resolução mais rigorosa ser de 2002, o ingrediente só sumiu nos últimos meses, com o fim dos estoques.
"Há um grande mal-entendido sobre a semente de papoula por causa de sua origem e utilização. Ela vem da mesma planta com a qual se produz o ópio, só que a semente não é narcótica. Mas alguns órgãos do governo não entendem o problema", diz Paulo Reis, diretor-geral da Fuchs Gewürze do Brasil, que importava e distribuía as sementes para empresas como a Bombay e a Cia. das Ervas.
Da última vez que a Fuchs tentou importá-las, em 2007, a carga demorou tanto para ser liberada, que acabou estragando e teve de ser incinerada. "Isso tem causado grandes prejuízos", diz Reis. "Nós mandamos, no ano passado e novamente neste ano, toda documentação necessária. Até agora, não tivemos resposta. Estamos esperando, ninguém quer correr o risco de perder de novo."
E há esperança de que a papoula volte ao mercado? "Há sim. Assim que [a papelada] for liberada, vamos importar imediatamente", diz Reis.
O gestor de produtos da Companhia das Ervas, Cláudio Cury, diz que toda semana recebe solicitações: "Era um dos produtos que eu mais vendia".

Queremos papoula!
Donos de restaurantes e docerias que usavam papoula em suas receitas lastimam o sumiço. Quem pôde adaptou a receita, pôs outro ingrediente no lugar. Outros tiraram do menu.
No Bom Retiro, pelo menos três casas sofrem com a falta das sementes. A Doceria Burikita já não pode mais fabricar seu doce mais emblemático, o strudel de papoula. "Estou sem fazê-lo desde o começo do ano. Não tem substituto para a papoula", lamenta David Ben Avram, proprietário da casa. "Muita gente ainda vem procurar. Fico chateado por não poder servir um doce típico que fazíamos há mais de 30 anos."
No Shoshi Delishop, o oznei haman, doce feito com as sementes e servido no Purim, teve de ganhar outro recheio neste ano: geléia de ameixa preta e nozes. Na Casa Menorah, a chalá já não é mais polvilhada com papoula, e sim com gergelim preto. A mesma solução foi adotada na Bagel Factory.
No AK Delicatessen, o bolo de limão com papoulas que tanto sucesso fazia, saiu de cena, assim como um pão fininho que levava as sementes. No Z-Deli, não há mais strudel de papoula. Por enquanto, só de maçã ou de framboesa. "Os clientes vivem perguntando se não tem strudel de papoula", conta Rosa Raw, sócia do Z-Deli. "Quando as papoulas voltarem, o strudel também retornará."

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