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MÚSICA/LANÇAMENTOS
Anestesia geral
A discografia completa da banda norte-americana Morphine, seis discos (além de "The Night"), é lançada agora no Brasil
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MARCELO VALLETTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Demorou , mas finalmente a
discografia completa do trio
norte-americano Morphine, banda sui generis que despontou na
década passada e terminou
abruptamente em 99 com a morte
de seu líder, Mark Sandman, está
disponível em edição nacional.
São seis CDs que vêm se juntar a
"The Night", o último álbum de
estúdio do grupo, lançado por
aqui pela Trama, no ano passado.
Formada nos arredores de Boston no início dos anos 90, a banda
chamou a atenção da crítica e de
um seleto público não apenas pelas composições de Sandman, letrista dos menos vulgares, mas
pela sua estranha formação.
Além de cantar, Sandman tocava um baixo com apenas duas
cordas afinadas na mesma nota
usando "bottleneck" -cilindro
que desliza sobre as cordas, criando o efeito "slide", característico
do blues- e também manejava
uma criação sua, uma mistura de
baixo e guitarra, chamada tritar.
Completavam a banda um baterista (Jerome Deupree, depois
substituído por Billy Conway) e
um saxofonista, Dana Colley, que
às vezes tocava dois instrumentos, um barítono e um tenor, ao
mesmo tempo. Se hoje a idéia de
uma banda de rock sem guitarras
não soa mais tão estranha, há dez
anos, em meio ao turbilhão grunge, as coisas eram diferentes.
O primeiro rebento do trio foi
originalmente lançado por uma
minúscula gravadora de Boston, e
talvez por isso dê a impressão de
ser apenas uma demo -mas das
boas. "Good" traz um Morphine
seco como nunca: só baixo, voz,
bateria, saxofone.
Já ficam evidentes a personalidade ímpar do grupo e o talento
de Sandman como letrista: ecos
de Lou Reed podem ser detectados em "The Saddest Song" e na
pequena crônica que é "Have a
Lucky Day". Mas "Good" era apenas o rascunho da obra-prima do
Morphine, "Cure for Pain", que
revelou o trio para o mundo.
Faixas como "Buena", "A Head
with Wings" e "Thursday" são
dançantes, mas há pungência de
sobra em baladas como "Candy",
"In Spite of Me" e "I'm Free
Now", a melhor composição de
Sandman.
O inesperado sucesso de "Cure
for Pain" levou a banda a experimentar mais em seu terceiro álbum, "Yes". Apesar de abrir com
"Honey White", um de seus
maiores hits, a estranheza se espalha por faixas como "The Jury" e
"Sharks". E o refrão de "Super
Sex" poderia ser confundido com
poesia neoconcreta.
"Like Swimming", o disco seguinte, é de longe o pior trabalho
do Morphine. As idéias de Sandman parecem ter se exaurido,
mesmo com o uso mais frequente
de sintetizadores eletrônicos. As
letras perdem o caráter reflexivo e
giram sobre idéias mínimas.
"B-Sides and Otherwise", lançado após "Like Swimming", é uma
honesta compilação de lados B,
faixas que haviam feito parte de
trilhas sonoras, de projetos especiais e de um programa de rádio.
A grande novidade do pacote é
"Bootleg Detroit", o primeiro registro ao vivo oficial da banda,
que viu a luz do dia há menos de
um ano. O álbum difere imensamente dos discos ao vivo de hoje,
meticulosamente produzidos e
calculados, sem espaço para o improviso e o calor que deveriam caracterizar esse tipo de projeto.
A grande ironia é que "Bootleg
Live" era originalmente um registro pirata: um fã gravou a apresentação da banda em 7 de março
de 94 e enviou a fita para Sandman anos depois. O fato de o grupo não saber que estava sendo
gravado faz de "Bootleg Live" um
autêntico e corajoso disco ao vivo,
desses que não se lançam mais.
É um bom fecho para o trabalho
de Sandman, que, para um músico, teve uma morte heróica: tombou no palco, durante um show
na Itália. O Morphine está morto.
Longa vida ao Morphine.
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