São Paulo, sexta-feira, 07 de setembro de 2001

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

Anestesia geral


A discografia completa da banda norte-americana Morphine, seis discos (além de "The Night"), é lançada agora no Brasil


MARCELO VALLETTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Demorou , mas finalmente a discografia completa do trio norte-americano Morphine, banda sui generis que despontou na década passada e terminou abruptamente em 99 com a morte de seu líder, Mark Sandman, está disponível em edição nacional.
São seis CDs que vêm se juntar a "The Night", o último álbum de estúdio do grupo, lançado por aqui pela Trama, no ano passado.
Formada nos arredores de Boston no início dos anos 90, a banda chamou a atenção da crítica e de um seleto público não apenas pelas composições de Sandman, letrista dos menos vulgares, mas pela sua estranha formação.
Além de cantar, Sandman tocava um baixo com apenas duas cordas afinadas na mesma nota usando "bottleneck" -cilindro que desliza sobre as cordas, criando o efeito "slide", característico do blues- e também manejava uma criação sua, uma mistura de baixo e guitarra, chamada tritar.
Completavam a banda um baterista (Jerome Deupree, depois substituído por Billy Conway) e um saxofonista, Dana Colley, que às vezes tocava dois instrumentos, um barítono e um tenor, ao mesmo tempo. Se hoje a idéia de uma banda de rock sem guitarras não soa mais tão estranha, há dez anos, em meio ao turbilhão grunge, as coisas eram diferentes.
O primeiro rebento do trio foi originalmente lançado por uma minúscula gravadora de Boston, e talvez por isso dê a impressão de ser apenas uma demo -mas das boas. "Good" traz um Morphine seco como nunca: só baixo, voz, bateria, saxofone.
Já ficam evidentes a personalidade ímpar do grupo e o talento de Sandman como letrista: ecos de Lou Reed podem ser detectados em "The Saddest Song" e na pequena crônica que é "Have a Lucky Day". Mas "Good" era apenas o rascunho da obra-prima do Morphine, "Cure for Pain", que revelou o trio para o mundo.
Faixas como "Buena", "A Head with Wings" e "Thursday" são dançantes, mas há pungência de sobra em baladas como "Candy", "In Spite of Me" e "I'm Free Now", a melhor composição de Sandman.
O inesperado sucesso de "Cure for Pain" levou a banda a experimentar mais em seu terceiro álbum, "Yes". Apesar de abrir com "Honey White", um de seus maiores hits, a estranheza se espalha por faixas como "The Jury" e "Sharks". E o refrão de "Super Sex" poderia ser confundido com poesia neoconcreta.
"Like Swimming", o disco seguinte, é de longe o pior trabalho do Morphine. As idéias de Sandman parecem ter se exaurido, mesmo com o uso mais frequente de sintetizadores eletrônicos. As letras perdem o caráter reflexivo e giram sobre idéias mínimas.
"B-Sides and Otherwise", lançado após "Like Swimming", é uma honesta compilação de lados B, faixas que haviam feito parte de trilhas sonoras, de projetos especiais e de um programa de rádio.
A grande novidade do pacote é "Bootleg Detroit", o primeiro registro ao vivo oficial da banda, que viu a luz do dia há menos de um ano. O álbum difere imensamente dos discos ao vivo de hoje, meticulosamente produzidos e calculados, sem espaço para o improviso e o calor que deveriam caracterizar esse tipo de projeto.
A grande ironia é que "Bootleg Live" era originalmente um registro pirata: um fã gravou a apresentação da banda em 7 de março de 94 e enviou a fita para Sandman anos depois. O fato de o grupo não saber que estava sendo gravado faz de "Bootleg Live" um autêntico e corajoso disco ao vivo, desses que não se lançam mais.
É um bom fecho para o trabalho de Sandman, que, para um músico, teve uma morte heróica: tombou no palco, durante um show na Itália. O Morphine está morto. Longa vida ao Morphine.



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