São Paulo, sábado, 07 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PERSONALIDADE

Artista faz 80 anos hoje, estréia peça "Variações Enigmáticas" e responde a perguntas de colegas do teatro

"Sou só um ator que trabalha", diz Autran

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O decano, o paradigma, o rei. São muitos os epítetos que surgem para situar Paulo Autran no teatro brasileiro. "Monstro sagrado, mito, essas coisas todas vêm da cabeça dos outros. Na minha, eu não sou nada disso. Sou só um ator que trabalha", afirma Autran, 80 anos completados hoje, quando também estréia "Variações Enigmáticas" em São Paulo.
A seguir, oito personalidades do teatro fazem perguntas a Autran, a pedido da Folha.

Fernanda Montenegro, 72, atriz - Vejo você como uma pessoa tão realizada, tão inteirada da tua própria vida, que gostaria de saber que pergunta poderia te fazer. Tenho grande admiração por ti.
Paulo Autran -
Fernanda, que bela sinuca você me coloca. Eu sei lá qual é a pergunta? Você não tem a menor curiosidade a meu respeito, então não pergunte nada mesmo [risos].

Bibi Ferreira, 80, atriz e diretora - Sempre quis saber como você vê os diferentes sotaques dentro do nosso teatro, pois por vezes acontece de termos uma rainha carioca, uma filha nordestina, um rei de Porto Alegre e por aí vai. Uma companhia clássica estável, a exemplo de outros países, poderia lapidar esse problema? Ou não é um problema? Seria como afinar orquestra, afinal, é a profissão da palavra.
Autran -
Estou plenamente de acordo com você. Quando nós fizemos "Otelo" (1956) na Cia. Tonia-Celi-Autran, eu até tentei isso. Estava a par dos últimos resultados de congressos sobre português falado e erudito no Brasil, e tínhamos efetivamente atores nordestinos e sulistas. Tentei uniformizar a pronúncia. Numa crônica, o Carlos Drummond [de Andrade] disse que a riqueza das pronúncias no Brasil é uma coisa muito simpática, e que não se deve pensar em uniformizar nada. Mas acho que, em se tratando de um espetáculo, de um texto erudito, o ideal é que haja uma uniformidade de prosódia, sim.

Antunes Filho, 71, diretor - Você trabalhou com todos os diretores estrangeiros que vieram ao Brasil. Qual deles considera mais significativo e por quê?
Autran -
De todos os diretores, incluindo aí o [Zbigniew] Ziembinski, o Ruggero [Jacobbi], o mais significativo é claro que foi Adolfo Celi, um homem que conseguiu fazer com que fosse possível a convivência naquele elenco do Teatro Brasileiro de Comédia, mais de 30 pessoas unidas por um contrato anual. Ele dirigia o elenco, os outros diretores, dava palpite em tudo. Celi era o cérebro no período áureo do TBC.

Walmor Chagas, 72, ator - Paulo, eu o julgo o paradigma do ator brasileiro. Infelizmente, nunca tive a chance de contracenar com você. Qual a importância que a vivência no TBC teve na sua carreira?
Autran -
A minha formação de ator foi no TBC, principalmente nas mãos de Adolfo Celi. Agora, eternamente estou me formando como ator, nunca paro.

Sérgio Viotti, 75, ator, diretor e dramaturgo - Houve algum momento em que tivesse pensado em deixar o teatro de lado e seguir outra profissão?
Autran -
Não. Nunca houve esse momento.

Gianfrancesco Guarnieri, 68, ator e dramaturgo - Gostaria que nos falasse sobre os diferentes momentos de nossa produção teatral, desde a "revolução" dos anos 50 até os dias de hoje, salientando os períodos que considera mais estimulantes e os mais preocupantes. Poderíamos concluir que "assim vai o mundo e não vai bem"?
Autran -
Os momentos mais preocupantes foram os do golpe de 64, quando tudo o que havia de bom estava proibido. Paradoxalmente, aquela mordaça estimulou muito o seu trabalho, não foi, Guarnieri? Mas sabemos o mal que a censura nos fez a todos. O mundo não vai bem, e a gente tem que fazer das tripas coração para despertar um pouco de otimismo no público. Agora, não me pergunte desde quando o mundo não vai bem...

José Celso Martinez Corrêa, 64, ator e diretor - Qual o poder do ator brasileiro na sociedade atual? O ator está delegando seu poder aos políticos, ao mercado? Qual o poder dele na terra em transe? O ator exerce o poder que tem, ou há uma crise de soberania?
Autran -
Você sabe, Zé Celso, que eu jamais consegui associar a palavra poder à minha função dentro do teatro. Compreendo que muita gente acha que o teatro é um trampolim para uma vida política, para uma atuação política. Acho o teatro político importantíssimo quando o país necessita de uma mudança política, como foi o caso do período violento e horrível que vivemos na ditadura. A partir do momento que estamos todos vivendo numa democracia, das mais liberais do mundo, é bom que se diga, eu não me atribuo nenhum poder político.
É claro que, por sermos conhecidos, lidarmos justamente com os sentimentos, as emoções do pequeno público que vai ao teatro, a nossa opinião talvez possa influir um número muito limitado de pessoas. E, se tentarmos influir, de acordo com as idéias de cada um, tanto melhor.

Mário Bortolotto, 40, ator, diretor e dramaturgo - Vai continuar lançando no teatro talentos indiscutíveis como a "grande" Adriane Galisteu?
Autran -
Havendo oportunidade, eu precisando de um ator jovem, de uma atriz jovem, espero lançar os grandes talentos, sim.


Veja fotos da carreira de Paulo Autran em Ilustrada Online



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Acidente mudou eixo da carreira
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.