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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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Em entrevista, diretor regional do Sesc defende que marketing cultural seja excluído das leis de incentivos

Reciprocidade é questão de acesso, diz Miranda

DA REPORTAGEM LOCAL

Arquiteto da política cultural do Sesc em São Paulo nos últimos 19 anos, Danilo Santos de Miranda, 60, ainda guarda resquícios de sua formação jesuítica. Seminarista em faculdade jesuíta até os 23 anos, onde estudou filosofia e ciência sociais, acha que falta uma certa "sinceridade" aos políticos -como se a dissimulação não fosse uma das essências desse jogo. Na entrevista a seguir, ele diz que o marketing cultural deveria ser excluído da lei de incentivos e defende a contrapartida por meio da difusão da obra, não de interferência em conteúdo. "Isso é censura, é fascismo", afirma.
 
Folha - Por que não aceitou o convite de Marta Suplicy para ser secretário da Cultura? Seria falta de paciência para o jogo político?
Danilo Santos de Miranda -
Não é isso. Acho o jogo político complicado, e eu nunca testei-o para falar se tenho ou não paciência. Uma vez fui convidado pelo Marcos Mendonça para pensar na idéia de me candidatar a alguma coisa. E achei que não era a minha vocação. Tenho dificuldade, sim.

Folha - Por quê?
Miranda -
Porque o jogo político não é sempre muito aberto.

Folha - Falta franqueza?
Miranda -
Falta, sim. Você não pode, uma vez eleito, pensar na próxima eleição como meta do seu dia-a-dia. Eu me lembro de uma fala do professor Milton Santos pouco antes de falecer. No lançamento de um livro dele, havia uma pessoa candidata na fila de autógrafos. E quando essa pessoa chegou e disse: "Olha, eu sou candidato, gostaria de ter seu apoio", ele virou-se e disse: "Meu filho, sai dessa, você não vai a lugar nenhum atuando na política". Aquilo reafirmou um pouquinho meu ponto de vista. Eu não tenho nada contra pessoas da política. Na época do convite da prefeita, eu tinha acabado de aceitar um compromisso com o presidente do Sesc, que havia sido reeleito e me chamou depois de aposentado para continuar até 2010. Tive de dizer não à Marta, mas gosto de algumas idéias dela.

Folha - Quais idéias?
Miranda -
Eles estão procurando democratizar a cultura, levar para a periferia os CEUs. Tem uma proposta generosa por trás disso, que junta cultura e esporte e é mais ou menos o modelo que nós realizamos. É um desafio enorme. Não basta construir. Tem de construir e fazer a programação funcionar. Agora, a cidade tem problemas, tem carências enormes. Não temos áreas verdes, equipamento cultural adequado.

Folha - O que o senhor achou da discussão sobre contrapartida social que surgiu no governo Lula?
Miranda -
Acho vital. Recursos públicos utilizados para qualquer finalidade, em qualquer área, têm de ter contrapartida. Só que a contrapartida não pode ser estabelecida a partir de uma ingerência no assunto, no modo de fazer, na temática. Isso é censura, é fascismo, não tem o menor sentido.

Folha - Como se estabelece, então, a reciprocidade?
Miranda -
Reciprocidade é uma questão de acesso, é permitir que o bem cultural atinja o maior número possível de pessoas. Não se pode confundir acesso com assunto. No assunto não tem de se meter. No acesso é claro que tem.

Folha - Edital pode mencionar o Fome Zero, como o da Eletrobrás?
Miranda -
Isso é bobagem, isso é um absurdo. O edital está errado.

Folha - O sr. acha justo empresas usarem dinheiro público, por meio da isenção de impostos, para criar centros culturais que acabam funcionando como instrumento de marketing delas mesmas?
Miranda -
Se funcionam como instrumento de marketing, não acho justo. Isso tem de ser absolutamente abolido. Existe gente que usa esse recurso de maneira muito adequada, mas pode haver casos de algumas empresas que utilizam esses recursos para valorizar o próprio nome. É uma questão grave que precisa mudar.

Folha - Como?
Miranda -
Precisa separar clara, objetiva e nitidamente a questão do recurso utilizado para publicidade, o marketing cultural, do incentivo cultural vinculado a políticas públicas. Isso tem de ser bem definido. Acho ótimo ter verba de publicidade colaborando na questão cultural. Mas a verba de incentivo cultural, aquela que você retira do seu imposto, tem de ser utilizada com objetivo de caráter público e não com o objetivo de caráter privado. E eu considero publicidade objetivo de caráter privado. Há um uso indevido.

Folha - Já ouvi comerciários reclamarem que a programação do Sesc, às vezes, é sofisticada demais em relação à clientela. O sr. leva a sério essas críticas ou isso é bobagem?
Miranda -
Acho que falta muitas vezes perceber a amplitude da nossa intenção. Uma programação cultural como a nossa tem de contemplar todas as tendências. Tem de ser diversa para valer, desde que haja respeito, qualidade e não seja contemplada por outros centros culturais. Tem um exemplo muito interessante sobre isso. Há alguns anos, Merce Cunningham fez uma apresentação do que há de mais contemporâneo na dança mundial no Sesc Pompéia. Recebeu tratamento de primeira em som, luz, infra-estrutura e divulgação. Foi ótimo. Uma semana depois, apresentou-se lá o grupo de teatro da favela Monte Azul com o mesmo tratamento de luz, de som, divulgação e lotou igual. Você vai no domingo de manhã no Sesc Interlagos e tem pagode. À noite, na Vila Mariana, tem o pianista cubano Gonzalo Rubalcaba, sofisticadíssimo, e João Bosco. É bárbaro.



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