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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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CINEMA

O cineasta Bernardo Bertolucci filma o despertar sexual de três jovens na Paris rebelde de 1968 em seu "The Dreamers"

Em busca do tempo

DIDIER PERON
DO ""LIBÉRATION", EM VENEZA

A sessão de pré-estréia de ""The Dreamers" (Os Sonhadores), o novo filme do italiano Bernardo Bertolucci, no Festival de Veneza, na última semana, estava mais do que lotada, e foi preciso ameaçar a bilheteira com um processo para conseguir me infiltrar na sala Palagalileo.
Adaptação de um romance de Gilbert Adair (""The Holy Innocent", de 1988), a história de ""The Dreamers" acontece em Paris, na primavera de 1968. O jovem Théo (Louis Garrel) e sua irmã gêmea Isabelle (Eva Green) conhecem o estudante americano Matthew (Michael Pitt), na Cinemateca. Imediatamente, o trio se une e não quer mais se separar. Aproveitando a saída de seus pais em férias, Théo e Isabelle convidam Matthew para ficar com eles em seu gigantesco apartamento no bulevar Raspail. Os ruídos vindos de fora -as greves estudantis e operárias, as batalhas campais contra a polícia de choque e o pânico do governo- formam, para esses novos ""enfants terribles", uma trilha sonora excitante para acompanhar seus embates cada vez mais suados e bissexuais.
Em ""The Dreamers", a dimensão da reconstituição histórica (manifestação em favor de Langlois, revoltas e coquetéis Molotov no Quartier Latin) recebe tratamento propositalmente secundário, em benefício da experiência íntima dos jovens em plena efervescência hormonal.
Leia a seguir trechos da entrevista com o diretor.

Pergunta - Por que ""The Dreamers"?
Bernardo Bertolucci -
Depois de ""O Pequeno Buda", em 1993, voltei à Itália com a idéia de fazer uma sequência de ""1900", tratando da segunda metade do século 20. ""1990" foi levado pelo vento político dos anos 1970. Acontece que o sentimento coletivo que alimentaria o filme não existia mais no início dos anos 90.
Assim, desisti da idéia, que acabou mostrando ser mais sentimental do que pontual. Mas dez anos se passaram desde então, e a consciência política atual me assusta a tal ponto que, depois de ler um livro de recordações de estudantes em Paris em maio de 1968, ""The Holy Innocent", de Gilbert Adair, tive vontade de usar a câmera como máquina para reproduzir o tempo. Eu quis fazer três jovens de hoje embarcarem nessa máquina e confrontá-los com um passado do qual não sabiam praticamente nada.

Pergunta - As primeiras imagens mostram um jovem cinéfilo americano, Matthew (Michael Pitt), na Cinemateca. ""Só os franceses poderiam colocar um cinema dentro de um palácio", diz ele. É você?
Bertolucci -
Eu sou um pouco os três personagens, devorador de filmes na Cinemateca do palácio de Chaillot, alimentado ao seio por Henri Langlois, loucamente apaixonado pela cultura francesa. Chego em Paris em 1964-1965 com meu "Antes da Revolução".
Langlois queria exibi-lo logo após a projeção oficial na Semana da Crítica em Cannes. Eu vivi maio de 1968 por procuração, pois estava filmando em Roma com Pierre Clémenti. Pierre voltava a Paris todos os finais de semana e, na segunda-feira, me contava tudo no próprio set. Assim, maio de 68 se tornou ainda mais mítico para mim, graças a esse relato. Eu quis iniciar ""The Dreamers" na Cinemateca porque ela ocupa o epicentro de minha visão do cinema, de minha formação, da política, como uma universidade universal dos cineastas. ""The Dreamers" é a homenagem a Langlois, a maio de 68, o retorno a minha juventude e a meus engajamentos.

Pergunta - Como injetar o espírito de 68 em jovens atores nascidos 15 anos depois?
Bertolucci -
Mostrei a eles muitas imagens de arquivo. Com a exceção de Louis Garrel, eles não sabiam realmente nada sobre a época. O que é pior -1968 ainda é, para eles, sinônimo de fracasso, de derrota, é algo ultrapassado. Os jovens de hoje não têm consciência daquilo que devem ao espírito de 68: que é simplesmente a sua liberdade atual.
Hoje existe uma carência terrível de senso de história. A esquerda européia não consegue mais transmiti-lo à juventude de hoje. Ela deveria reler Gramsci!

Pergunta - O que disse Godard quando você pediu para usar alguns segundos de "Bande à Part" e de "Acossado"?
Bertolucci -
Eu tinha a autorização de sua distribuidora, mas queria sua própria autorização. Mandei um fax. Ele me respondeu: ""Tome o que você quiser. Não existem direitos autorais, apenas deveres". É um conselho imensamente ""sublimíssimo", como se dizia 1968.


Tradução Clara Allain


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