São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2006

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Comida

À moda nordestina

Na zona norte de SP, Mocotó faz sucesso com pratos do sertão; conheça outras casas bem-sucedidas no gênero

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Oitenta lugares não bastam mais para acomodar os clientes no almoço de sábado. Tem dia em que a fila de espera leva duas horas para se desfazer. E não se trata de um restaurante novo, instalado num bairro badalado. Também não é sofisticado nem serve nenhuma novidade gastronômica.
O que leva tanta gente ao Mocotó é o mínimo que se espera de um bom restaurante, mas que nem todos oferecem: comida de qualidade, bem-feita e, ainda por cima, barata.
Dos caldeirões e caçarolas do seu Zé Almeida, 68, saem porções abundantes de receitas típicas do sertão nordestino: caldo de mocotó, sarapatel, baião-de-dois, carne-de-sol, favada e um irresistível bode atolado, cujas carne e mandioca derretem na boca.
Instalado há mais de 30 anos na Vila Medeiros, bairro da zona norte paulistana sem tradição gastronômica, o Mocotó começou como uma Casa do Norte, uma espécie de secos e molhados onde Zé Almeida e seus irmãos vendiam de tudo um pouco: rapadura, farinha de mandioca, manteiga de garrafa e até umas "quinquilharias" (vassoura, peneira, chapéu).
"Eu plantava milho, feijão e algodão na roça [em Mulungu, no sertão de Pernambuco]. Dois irmãos vieram para cá, se deram bem aqui e mandaram me chamar. Vim, como a gente diz, com duas camisas, uma calça e um par de sapatos", conta Zé Almeida, que trabalhou numa fundição, numa fábrica de laticínios e numa metalúrgica antes de ter negócio próprio.
"Geralmente, as Casas do Norte têm um balcãozinho para vender petiscos e cachaça. Cheguei a vender 22 caldeirões de caldo de mocotó num dia. Essa demanda me fez abrir o restaurante."
Até quatro anos atrás, o Mocotó tinha apenas dez mesas e era um bocado mais simples. O ambiente mudou um pouco depois de uma temporada de "seis meses e oito dias" que Zé Almeida passou no Nordeste. Quando voltou, o filho, Rodrigo, 26, formado em gastronomia, tinha feito uma reforma que não agradou muito a Zé Almeida. "Ele tomou um susto e eu, uma bronca", conta Rodrigo, que hoje toca o restaurante e impõe seu toque seja por meio de uma apresentação mais cuidadosa dos pratos, da atenção dispensada aos clientes, ou de seu trabalho de pesquisa, como uma viagem em busca de pingas. Sim, o Mocotó oferece mais de 340 marcas de cachaça, fora as garrafas que, por fazerem parte de uma coleção, só "enfeitam" a prateleira.

Da roça à cozinha
A trajetória de Zé Almeida se assemelha à de muitos outros homens que trocaram o sertão nordestino pela vida em São Paulo e aqui encontraram espaço no setor de alimentação. Surgiram casas de decoração simples, pratos de boa qualidade e preços, em geral, bastante razoáveis.
Agricultor em Piquet Carneiro, no Ceará, Raimundo Nonato Oliveira, 53, veio para cá "ganhar a vida mais fácil". "É melhor que trabalhar na roça", diz.
Foi garçom em vários restaurantes antes de comprar, há 24 anos, o Rancho Nordestino, na Bela Vista. "Quando a gente vem de lá, o ramo mais fácil é restaurante mesmo, porque não exige muita experiência."
Aos finais de semana, a casa enche. É um tal de puxa-mesa-daqui-e-põe-acolá. O carro-chefe é o baião-de-dois com carne-de-sol que pode, é claro, ser acompanhado por pingas de vários Estados. "O nordestino gosta de tomar uma cachacinha para abrir o apetite", diz.
Outro exemplo de sucesso da comida nordestina em São Paulo é o Galinhada do Bahia. O que começou como um forró não demorou para virar restaurante, em 1992. "Domingo era dia de tomar aquela cervejinha, reunir os amigos. Eu fazia rabada, cozinhava um frango, e o pessoal ia almoçar em casa e dizia: "Bahia, tu cozinha demais". Foi quando decidi montar o restaurante", conta o ex-vaqueiro e ex-açougueiro Raimundo Souza Soares, 56.
O Galinhada do Bahia fica em uma viela em frente ao estádio da Portuguesa, no Canindé, literalmente no quintal da casa do Bahia. No "puxadinho", há espaço e comida farta: galinha de cabidela, buchada de bode, feijão tropeiro...
O gosto pela comida também levou o paraibano Severino Gomes da Silva, o Biu, 59, a montar seu próprio negócio, o Bar do Biu, em Pinheiros. "Pedi a conta [de uma empresa de ônibus] para montar meu boteco, porque a minha vocação era restaurante. Escutava os amigos mais velhos dizerem que o melhor era fazer aquilo que a gente gostava. E o que eu mais gostava era comer", ri Biu.
Também no bairro de Pinheiros está o Andrade Restaurante. Seu dono, o baiano Manoel Leite de Andrade, 62, está há 45 anos em São Paulo, dos quais 25 dedicados à casa de comida nordestina.
De lá, sai aquele que é um clássico do restaurante: a carne-seca desfiada com macaxeira, jerimum e batata-doce. "Quando comecei a cozinhar, decidi desenvolver um trabalho melhor. Aí, viajei pelo Nordeste, para ver como eram as comidas, como eram feitas."


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