São Paulo, sexta-feira, 07 de outubro de 2005

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CINEMA/"EROS"

Antonioni espana o pó do cinema na abertura de longa de episódios

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

O italiano Michelangelo Antonioni, um dos geniais diretores da história do cinema, tem 93 anos, se locomove numa cadeira de rodas e não consegue mais falar. Conserva-se, porém, perfeitamente lúcido e, por isso mesmo, não parou de filmar desde que sofreu um derrame, em 1985. Fez alguns curtas e, em 1995, um longa difícil e sublime, "Além das Nuvens", co-dirigido por Wim Wenders. Em 2001, iniciou "O Perigoso Encadeamento das Coisas", episódio de abertura de "Eros", composto de dois outros filmes curtos, dirigidos pelo americano Steven Soderbergh, 42, e pelo chinês Wong Kar-wai, 47.
Soderbergh assina "Equilibrium", o menos interessante dos três episódios. O assunto é extremamente aborrecido, embora em tom de sátira: uma longa sessão de psicanálise, em que a perversão do analista supera a neurose do analisado. Apesar dos dois bons atores (Alan Arkin e Robert Downey Jr.), o filme de 26 minutos é redundante e pesadamente acadêmico.
O episódio de Wong Kar-wai, "A Mão", é o que mais tem impressionado crítica e público, com o cuidadoso claro-escuro da fotografia (de Christopher Doyle), a elegância dos intérpretes (Gong Li e Chang Chen), a música nostálgica de Peer Raben (o compositor de Fassbinder) e a incrível síntese narrativa e poética.
Ambientado na Hong Kong dos anos 60, o filme dura 45 minutos, que passam como se ouvíssemos uma longa canção triste. No tema, Wong é naturalista ao contar a história da paixão de um costureiro pobre por uma prostituta de luxo. No estilo, é um decadentista, com seu gosto por fetiches e sublimações, certa idealização mórbida da mulher e o sensualismo melancólico das imagens.
A comparação entre os três filmes coloca em evidência a liberdade formal e a atualidade de Antonioni. Enquanto Soderbergh prende o seu filme num escritório, montando um autêntico esquema paranóico, Antonioni libera a câmera para vagar em constantes e minuciosos travellings, acompanhando um casal em crise. Enquanto Wong veste e reveste a sua musa, Antonioni despe suas atrizes quase o tempo todo, sem pudor. Pois é disso que trata o seu filme: dos desencontros entre amor e sexo, da positividade do desejo feminino, do erotismo como força exterior aos sujeitos, como energia enigmática que encadeia espaço, corpo, psique, narrativa e mito.
Soderbergh e Wong filmam como se as formas cinematográficas fossem um conjunto de empoeiradas peças de museu. É incrível que o idoso Antonioni tenha feito o inverso com seu filme de 31 minutos: espanar o pó da linguagem e provar a vitalidade da velha sétima arte.


Eros
   
Direção: Michelangelo Antonioni, Steven Soderbergh e Wong Kar-wai
Produção: EUA/China/Itália, 2004
Com: Gong Li, Robert Downey Jr.
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Reserva Cultural e circuito


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