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CINEMA/"EROS"
Antonioni espana o pó do cinema na abertura de longa de episódios
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA
O italiano Michelangelo
Antonioni, um dos geniais
diretores da história do cinema,
tem 93 anos, se locomove numa
cadeira de rodas e não consegue
mais falar. Conserva-se, porém,
perfeitamente lúcido e, por isso
mesmo, não parou de filmar desde que sofreu um derrame, em
1985. Fez alguns curtas e, em 1995,
um longa difícil e sublime, "Além
das Nuvens", co-dirigido por
Wim Wenders. Em 2001, iniciou
"O Perigoso Encadeamento das
Coisas", episódio de abertura de
"Eros", composto de dois outros
filmes curtos, dirigidos pelo americano Steven Soderbergh, 42, e
pelo chinês Wong Kar-wai, 47.
Soderbergh assina "Equilibrium", o menos interessante dos
três episódios. O assunto é extremamente aborrecido, embora em
tom de sátira: uma longa sessão
de psicanálise, em que a perversão do analista supera a neurose
do analisado. Apesar dos dois
bons atores (Alan Arkin e Robert
Downey Jr.), o filme de 26 minutos é redundante e pesadamente
acadêmico.
O episódio de Wong Kar-wai,
"A Mão", é o que mais tem impressionado crítica e público,
com o cuidadoso claro-escuro da
fotografia (de Christopher Doyle), a elegância dos intérpretes
(Gong Li e Chang Chen), a música
nostálgica de Peer Raben (o compositor de Fassbinder) e a incrível
síntese narrativa e poética.
Ambientado na Hong Kong dos
anos 60, o filme dura 45 minutos,
que passam como se ouvíssemos
uma longa canção triste. No tema,
Wong é naturalista ao contar a
história da paixão de um costureiro pobre por uma prostituta de
luxo. No estilo, é um decadentista,
com seu gosto por fetiches e sublimações, certa idealização mórbida da mulher e o sensualismo melancólico das imagens.
A comparação entre os três filmes coloca em evidência a liberdade formal e a atualidade de Antonioni. Enquanto Soderbergh
prende o seu filme num escritório, montando um autêntico esquema paranóico, Antonioni libera a câmera para vagar em
constantes e minuciosos travellings, acompanhando um casal
em crise. Enquanto Wong veste e
reveste a sua musa, Antonioni
despe suas atrizes quase o tempo
todo, sem pudor. Pois é disso que
trata o seu filme: dos desencontros entre amor e sexo, da positividade do desejo feminino, do
erotismo como força exterior aos
sujeitos, como energia enigmática
que encadeia espaço, corpo, psique, narrativa e mito.
Soderbergh e Wong filmam como se as formas cinematográficas
fossem um conjunto de empoeiradas peças de museu. É incrível
que o idoso Antonioni tenha feito
o inverso com seu filme de 31 minutos: espanar o pó da linguagem
e provar a vitalidade da velha sétima arte.
Eros
Direção: Michelangelo Antonioni,
Steven Soderbergh e Wong Kar-wai
Produção: EUA/China/Itália, 2004
Com: Gong Li, Robert Downey Jr.
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Reserva Cultural e circuito
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