São Paulo, sábado, 07 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

análise

"Rebeldes" são adaptados e autoritários

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Está certo que ser rebelde é ser insubordinado. Neste sentido, os rebeldes da novela até o são: "Sim, sou rebelde quando não sigo os demais".
Mas, no sentido nobre que este termo adquiriu em nossa cultura, como aquele que, ao negar, afirma algo novo em sua negação, os rebeldes da novela não são rebeldes.
Ao contrário, são adaptados e autoritários. Contestam o autoritarismo dos pais e da escola reproduzindo pequenos sistemas de exploração e poder.
Mas daí seria levar o programa a sério. E "Rebelde" é tão ruim que não se presta a uma crítica densa. Algumas questões são mais importantes, no caso, do que considerações sobre a má qualidade ética e estética do programa.
Trata-se de saber por que a novela é tão popular. E também por que adolescentes tão enquadrados se autodenominam rebeldes.
Yves de la Taille, professor de psicologia da USP, distingue a noção de moral da noção de ética dizendo que a primeira pertence à dimensão das obrigações e responderia à pergunta: "Como devo agir?", enquanto a segunda representa a procura de uma vida significativa, uma "vida boa", e responderia à pergunta: "Que vida quero viver?"
Parece que se criou, num circuito de consumo tão coisificador como o nosso, uma confusão entre essas duas noções, e que muita gente acha que escapar à dimensão da obrigação já significa ser livre e viver uma "vida boa". "Não obedeço, portanto sou rebelde, portanto sou livre."
Uma menina pré-adolescente que usa salto agulha como no uniforme da novela (?!) talvez já se sinta autorizada precocemente a ser adolescente e rebelde.
Como se escapar à moral implicasse necessariamente em transgressão e felicidade, não exigindo a invenção de outras configurações pessoais e coletivas. Mas não; o que se estabelece é só uma nova moral, também repleta de obrigações e deveres, onde não cabe a liberdade, mas um outro aprisionamento.
Daí a menina gorda e boba que "puxa o saco" da linda e popular; o aparente desleixo do uniforme que mais parece de coelhinha da "Playboy"; a ousadia do garoto cuja grande aventura é dirigir bêbado; o piercing calculado da adolescente desafiadora.
Mas, apesar de toda essa inversão, dessa "rebeldia" hiper-adaptada, não acho que pais devam proibir seus filhos de assistir à novela. Não vejo sentido em reprimir o autoritarismo de forma igualmente autoritária.
Se a expectativa é a de que os adolescentes aprendam a querer uma "vida boa" a partir ou a despeito dos programas de televisão, aí sim é que a premissa está totalmente invertida.
Na realidade, é o contrário que deve ocorrer: pessoas que aprendem e que são estimuladas a se perguntar "Quem eu sou?" e "Que vida eu quero viver?" podem ser expostas a muita coisa ruim e, mesmo assim, continuar a procurar uma forma mais significativa de liberdade. (NOEMI JAFFE)


Texto Anterior: "Crianças devem diferenciar vida real e novela"
Próximo Texto: Festival do Rio divide prêmios
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.