São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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BIA ABRAMO

"Duas Caras" aposta no conservadorismo


Há na novela uma tentativa de recuperar uma "favela dos meus amores"

O QUE esperar de "Duas Caras"? A julgar pelos primeiros capítulos, o que é certamente prematuro, uma narrativa oscilante do modelo "mexicano" de melodrama televisivo e uma representação fabular de certas questões contemporâneas.
Há o vilão cínico que vai tentar arruinar a vida e fortuna da mocinha; o destino, entretanto, vai se encarregar de preparar uma viravolta em que eles se confrontem novamente. Haverá amores impedidos pela convenções sociais -ele, preto e pobre; ela, rica e branca-; o casal lutará contra tudo e todos para realizar esse amor. Há duas mulheres rivais: dividirão o mesmo homem, uma como mulher legítima e outra como amante; quando ele morre, aparece um outro que também disputarão.
O microcosmo dessas desventuras amorosas e existenciais é, desta vez, a Barra da Tijuca, entre os condomínios de luxo, onde a burguesia se atira avidamente aos novos negócios do mundo contemporâneo (empreendimentos mobiliários fantásticos para os ricos, ensino superior privado), e a favela fictícia da Portelinha, em Jacarepaguá, de onde virão os pobres, porém honestos, para brigar por um naco que seja do mundo dos ricos.
Ou seja, nada mais, nada menos do que se tornou o padrão da telenovela -é esse o formato que historicamente se fixou e, até pouco tempo atrás, não via concorrência. Mas agora, de cinco anos para cá, não apenas há como ela vem de origens e nas formas as mais diversas.
Então, a cada novela que se inicia, para fazer frente aos números que declinam, inventam-se aqui e ali bossas diferentes, ornamentos sobre o trilho já gasto por onde passa o trem da história. No caso de "Duas Caras", parece que se aposta simultaneamente em duas frentes.
A primeira delas é a textura programaticamente retrógrada dos imbróglios amorosos, que se movem por oposições bastante convencionais: ingenuidade feminina X cinismo masculino, a legítima X a outra, a liberdade de escolha X a autoridade da família. É como se a novela prometesse, assim, o retorno a um mundo mais simplificado e fácil.
Depois, há a tentativa de recuperar uma "favela dos meus amores", em contraposição à representação mais violenta que aparece no filme "Cidade de Deus" ou na novela "Vidas Opostas". A favela fictícia de "Duas Caras" terá lá seus pobres e seu abandono das instituições, mas será um lugar relativamente apaziguado.
Por ora, tudo indica que a novela vai preferir o caminho, que parece mais seguro, do conservadorismo. Mas se a questão for recuperar a audiência que desligou a TV, talvez seja a coisa mais arriscada a fazer.


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