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BIA ABRAMO
"Duas Caras" aposta no conservadorismo
Há na novela uma tentativa de recuperar uma "favela dos meus amores"
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O QUE esperar de "Duas Caras"? A julgar pelos primeiros
capítulos, o que é certamente
prematuro, uma narrativa oscilante
do modelo "mexicano" de melodrama televisivo e uma representação
fabular de certas questões contemporâneas.
Há o vilão cínico que vai tentar arruinar a vida e fortuna da mocinha; o
destino, entretanto, vai se encarregar de preparar uma viravolta em
que eles se confrontem novamente.
Haverá amores impedidos pela convenções sociais -ele, preto e pobre;
ela, rica e branca-; o casal lutará
contra tudo e todos para realizar esse amor. Há duas mulheres rivais: dividirão o mesmo homem, uma como
mulher legítima e outra como amante; quando ele morre, aparece um
outro que também disputarão.
O microcosmo dessas desventuras
amorosas e existenciais é, desta vez,
a Barra da Tijuca, entre os condomínios de luxo, onde a burguesia se atira avidamente aos novos negócios
do mundo contemporâneo (empreendimentos mobiliários fantásticos para os ricos, ensino superior
privado), e a favela fictícia da Portelinha, em Jacarepaguá, de onde virão
os pobres, porém honestos, para brigar por um naco que seja do mundo
dos ricos.
Ou seja, nada mais, nada menos do
que se tornou o padrão da telenovela
-é esse o formato que historicamente se fixou e, até pouco tempo
atrás, não via concorrência. Mas
agora, de cinco anos para cá, não
apenas há como ela vem de origens e
nas formas as mais diversas.
Então, a cada novela que se inicia,
para fazer frente aos números que
declinam, inventam-se aqui e ali
bossas diferentes, ornamentos sobre o trilho já gasto por onde passa o
trem da história. No caso de "Duas
Caras", parece que se aposta simultaneamente em duas frentes.
A primeira delas é a textura programaticamente retrógrada dos imbróglios amorosos, que se movem
por oposições bastante convencionais: ingenuidade feminina X cinismo masculino, a legítima X a outra, a
liberdade de escolha X a autoridade
da família. É como se a novela prometesse, assim, o retorno a um mundo mais simplificado e fácil.
Depois, há a tentativa de recuperar uma "favela dos meus amores",
em contraposição à representação
mais violenta que aparece no filme
"Cidade de Deus" ou na novela "Vidas Opostas". A favela fictícia de
"Duas Caras" terá lá seus pobres e
seu abandono das instituições, mas
será um lugar relativamente apaziguado.
Por ora, tudo indica que a novela
vai preferir o caminho, que parece
mais seguro, do conservadorismo.
Mas se a questão for recuperar a audiência que desligou a TV, talvez seja
a coisa mais arriscada a fazer.
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