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em voz alta
Por meio de um podcast e da coluna "Digested Read", no "Guardian", o britânico John Crace inaugura um modo inédito de tratar a literatura
Jornalista faz resumos humorísticos que copiam estilo de autores, dão vida a personagens e conferem suspense a tramas
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não deve ser fácil para um escritor, que dedica meses ou
anos da vida a redigir um romance, ver sua obra resumida a
um texto de cerca de 500 palavras, ou a uma síntese oral que
dura entre cinco e oito minutos.
O responsável por mostrar
como muitos livros podem facilmente perder dezenas de páginas sem prejuízo para seu significado principal ou para as características marcantes de seus
personagens é o jornalista britânico John Crace.
Há três anos ele é o responsável pela coluna "Digested Read"
(literatura condensada, ou,
mais literalmente, digerida), do
diário "The Guardian".
No começo deste ano, Crace
lançou uma versão em podcast
[pequeno programa de rádio,
que pode ser ouvido via internet] do projeto.
E foi então que a idéia ganhou
nova vida, pois a entonação da
leitura passou a garantir mais
suspense ou humor, dependendo do caso, além de caracterizar
melhor os protagonistas, que
ganharam sotaque e contornos
mais claros (www.guardian.co.uk/books/series/digestedreadpodcast).
Mas o propósito, ainda que
espírito de porco, está longe de
ser o de deixar autores deprimidos, e sim divertir os leitores e
fazê-los pensar bem antes de
comprar os livros em questão.
"O objetivo era abordar a leitura de modo diferente, indo direto ao essencial de cada história. O que faço não substitui a
crítica literária. Ainda assim,
acho que esta é muito sisuda e
reverente com relação a livros e
escritores. Se a crítica de música e de cinema tem humor, por
que a de literatura tem de ser
sempre tão respeitosa?", disse
Crace, em entrevista à Folha,
por telefone, de Londres.
A cada semana, a seção "Digested Read" escolhe um livro
recém-lançado e um clássico
para sua síntese satírica.
Crace mimetiza o jeito de escrever do autor escolhido, define os personagens em poucos
adjetivos, geralmente hiperbólicos, e concentra a trama de
modo tão cruel, que muitas vezes acaba esvaziando o significado literário e a forma estilística da obra. É, porém, indiscutivelmente preciso.
E, no final, uma última facada. É a hora do "Digested read,
digested" (leitura condensada,
ainda mais condensada), seguida de uma piadinha mordaz
que define o livro.
Crace conta que e-mails furiosos já chegaram à sua caixa
postal considerando o que faz
um ataque contra a literatura.
Uma heresia, principalmente
quando ele resume clássicos.
"As pessoas crêem que clássicos não devem ser tocados. Mas
às vezes, quando busco pontos
essenciais, consistência de personagens e clareza da narrativa, percebo que eles também
podem ser frágeis."
Novo momento
Crace vê seu trabalho como
parte dos efeitos que a internet
está causando no jornalismo.
Por toda sua vida, ele foi um trabalhador da mídia impressa.
Porém, quando o "Guardian"
começou a exigir de sua equipe
idéias e soluções para manter o
alto nível de jornalismo pelo
qual o diário é conhecido também na rede, o podcast foi a saída que lhe coube.
"A aposta foi acertada, a repercussão do "Digested Read"
aumentou e chegou a públicos
que não o conheciam no papel."
Um dos efeitos, porém, ele
achou mais complicado. "Escrever um texto é uma coisa.
Lê-lo em voz alta, é outra. Você
passa a ter de ser um ator, alguém que se comunica com
uma performance. Isso era novo para mim. Mas também o é
para muitos colegas pelo mundo. É uma das transformações
do meio em que trabalhamos
que não vai ter volta."
Para dar conta de devorar e
condensar tantas páginas, Crace diz que lê uma média de 40 a
50 páginas por hora. Um livro
de 300 páginas vai num período
de duas sessões de cerca de três
horas, "com um intervalo, é claro, para impedir que eu fique
completamente louco."
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