São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2008

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em voz alta

Por meio de um podcast e da coluna "Digested Read", no "Guardian", o britânico John Crace inaugura um modo inédito de tratar a literatura

Jornalista faz resumos humorísticos que copiam estilo de autores, dão vida a personagens e conferem suspense a tramas


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não deve ser fácil para um escritor, que dedica meses ou anos da vida a redigir um romance, ver sua obra resumida a um texto de cerca de 500 palavras, ou a uma síntese oral que dura entre cinco e oito minutos.
O responsável por mostrar como muitos livros podem facilmente perder dezenas de páginas sem prejuízo para seu significado principal ou para as características marcantes de seus personagens é o jornalista britânico John Crace.
Há três anos ele é o responsável pela coluna "Digested Read" (literatura condensada, ou, mais literalmente, digerida), do diário "The Guardian".
No começo deste ano, Crace lançou uma versão em podcast [pequeno programa de rádio, que pode ser ouvido via internet] do projeto.
E foi então que a idéia ganhou nova vida, pois a entonação da leitura passou a garantir mais suspense ou humor, dependendo do caso, além de caracterizar melhor os protagonistas, que ganharam sotaque e contornos mais claros (www.guardian.co.uk/books/series/digestedreadpodcast).
Mas o propósito, ainda que espírito de porco, está longe de ser o de deixar autores deprimidos, e sim divertir os leitores e fazê-los pensar bem antes de comprar os livros em questão.
"O objetivo era abordar a leitura de modo diferente, indo direto ao essencial de cada história. O que faço não substitui a crítica literária. Ainda assim, acho que esta é muito sisuda e reverente com relação a livros e escritores. Se a crítica de música e de cinema tem humor, por que a de literatura tem de ser sempre tão respeitosa?", disse Crace, em entrevista à Folha, por telefone, de Londres.
A cada semana, a seção "Digested Read" escolhe um livro recém-lançado e um clássico para sua síntese satírica.
Crace mimetiza o jeito de escrever do autor escolhido, define os personagens em poucos adjetivos, geralmente hiperbólicos, e concentra a trama de modo tão cruel, que muitas vezes acaba esvaziando o significado literário e a forma estilística da obra. É, porém, indiscutivelmente preciso.
E, no final, uma última facada. É a hora do "Digested read, digested" (leitura condensada, ainda mais condensada), seguida de uma piadinha mordaz que define o livro.
Crace conta que e-mails furiosos já chegaram à sua caixa postal considerando o que faz um ataque contra a literatura. Uma heresia, principalmente quando ele resume clássicos.
"As pessoas crêem que clássicos não devem ser tocados. Mas às vezes, quando busco pontos essenciais, consistência de personagens e clareza da narrativa, percebo que eles também podem ser frágeis."

Novo momento
Crace vê seu trabalho como parte dos efeitos que a internet está causando no jornalismo. Por toda sua vida, ele foi um trabalhador da mídia impressa. Porém, quando o "Guardian" começou a exigir de sua equipe idéias e soluções para manter o alto nível de jornalismo pelo qual o diário é conhecido também na rede, o podcast foi a saída que lhe coube.
"A aposta foi acertada, a repercussão do "Digested Read" aumentou e chegou a públicos que não o conheciam no papel."
Um dos efeitos, porém, ele achou mais complicado. "Escrever um texto é uma coisa. Lê-lo em voz alta, é outra. Você passa a ter de ser um ator, alguém que se comunica com uma performance. Isso era novo para mim. Mas também o é para muitos colegas pelo mundo. É uma das transformações do meio em que trabalhamos que não vai ter volta."
Para dar conta de devorar e condensar tantas páginas, Crace diz que lê uma média de 40 a 50 páginas por hora. Um livro de 300 páginas vai num período de duas sessões de cerca de três horas, "com um intervalo, é claro, para impedir que eu fique completamente louco."


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