São Paulo, quarta, 7 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Surpresas eleitorais e o engano dos bem-informados

MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas

Desconfio um pouco das coisas que se escrevem depois das eleições. Aquela história de qual foi "o recado do eleitor", qual foi "a lição das urnas" etc. é em geral bastante suspeita.
Mas os resultados que vão aparecendo (escrevo este artigo na segunda-feira) são surpreendentes e levam-me pelo menos a reformular algumas idéias que me pareciam sólidas durante a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, fica posta em dúvida a competência das pesquisas e dos marqueteiros.
Antonio Britto, no Rio Grande do Sul, e Joaquim Roriz, no Distrito Federal, pareceram- me por exemplo imbatíveis; cheguei a acreditar que, de tanta martelagem televisiva, Oscar superasse Eduardo Suplicy.
Duda Mendonça não conseguiu fazer com que Arraes tivesse boa votação; e mesmo sem desmerecer seu trabalho de Midas com relação a Paulo Maluf, deve-se observar que os índices do candidato do PPB não subiram muito durante a campanha eleitoral.
E Rossi? Como foi que ele sumiu de uma hora para outra? O que concluir dessas surpresas?
Podemos especular sobre as causas dos erros de avaliação. Podem ser atribuídos à manipulação da mídia ou a meros desajustes técnicos e a sutilezas de interpretação nos dados das pesquisas. Prefiro levantar mais uma suspeita; recai sobre mim mesmo.
O fenômeno Maluf, o fenômeno Oscar, o fenômeno Rossi sugeriram-me a idéia de que o eleitorado pudesse ser infinitamente manipulável.
O plano Real, a globalização etc. sugeriram-me a idéia de que não há opções políticas concretas em jogo contra FHC: o campo do "possível", do "alternativo", representado tropegamente por Lula, Ciro Gomes e Enéas, não me convencia. Pareceu-me apenas uma outra estratégia de marketing, igualmente retórica.
De certo modo, como "profissional da imprensa" -mas acho que a maioria da população bem-informada está na mesma situação que eu-, superestimei o poder da comunicação. Vivia-se, nos meios de esquerda, um clima de "já perdemos". O próprio Lula parecia mais um anticandidato do que alguém pronto para assumir o poder.
A campanha de Marta Suplicy foi fraca, vazia, esquálida. Como é que deu mais certo do que a campanha de Rossi? Marta cresceu no debate da TV Cultura.
Talvez possamos dizer que, a despeito de nosso preconceito (e de nossa experiência cotidiana ao conversar com empregadas, motoristas de táxi, chapeiros de padaria), a capacidade popular de iludir-se é um pouco menor do que pensávamos.
Eduardo Suplicy tem mais votos do que Lula em São Paulo: o que significa, a meu ver, que a rejeição ao PT não é tão grande assim; não representa necessariamente o estigma que nós, "modernos", pensávamos existir sobre o velho quixotismo da esquerda.
Para resumir: as eleições deste ano determinaram o esgotamento do horário eleitoral gratuito. Aquele blablablá sentimental, aquelas tomadas de multidão em câmera lenta, corações batendo, jingles açucarados, crianças sorrindo, tudo isso ficou igual, encheu. Deixou de funcionar.
Acho que está na hora de mudar a legislação quanto a isso. Quem merece elogios aqui é Mário Covas, que há tempos propôs uma lei bastante restritiva: só o candidato pode aparecer no horário político. Que diga o que tem a dizer, e pronto.
Concordo. Barateia-se o custo da propaganda, e mostra-se ao eleitor aquilo que ele tem de conhecer: o candidato, e não campos floridos, criancinhas dengosas, desdentados felizes.
Ninguém aguenta mais -e, de certo modo, os resultados eleitorais refletem isso. Outra coisa: os debates. São imprescindíveis.
O que acontece? Basta um ou dois candidatos importantes decidirem não aparecer, que o debate não é feito, a emissora desiste.
Isso é um erro, do ponto de vista da democracia. Pois fica beneficiado quem não vai ao debate. Suplicy defende a cassação da candidatura de quem não participa. Não é preciso chegar a tanto.
Se as emissoras fossem obrigadas a transmitir o debate, mesmo sem os candidatos principais, isso representaria uma enorme vantagem aos candidatos que participam, razão suficiente para levar todos ao confronto.
Tem conserto, então? Tem, sim. E eu não acreditava nisso. Meu raciocínio era o seguinte. A margem de manobra de qualquer governante, nos tempos atuais, é mínima.
Estamos decidindo quem será o presidente, o governador etc., pessoas que no fundo não irão decidir coisa nenhuma. Logo, o papel dos marqueteiros se justifica.
Pois o que interessa não é escolher quem vai mudar a realidade, mas sim quem manipula melhor a imagem de uma realidade sobre a qual ninguém, no Brasil, tem o menor controle.
A "lição das urnas" não foi bem essa. Acredita-se (para inverter a fórmula de Anatole France) no poder de quem tem poder.
O povo, supostamente iludido, confia numa realidade que vai além das pesquisas e das imagens televisionadas.
France, como qualquer jornalista, sorria ante a credulidade popular. Seus melhores romances, que fazem parte do ciclo "Histoire Contemporaine", mostram um falso milagre numa cidade de província (uma menina do povo vê a virgem, é santa, mas depois engravida).
Seus livros mostram também disputas pelo bispado regional, e concluem, dando de ombros, na "falta de poder de quem tem o poder".
Talvez também isso seja uma ilusão. Dizer que nada pode ser feito, exceto o que querem os investidores americanos, como no fundo é a mensagem do Planalto, talvez resulte num antiutopismo tão ilusório quanto qualquer outra utopia.
Os profissionais da desilusão, isto é, a maioria dos jornalistas, e os profissionais da ilusão, isto é, os marqueteiros e os políticos, estavam de acordo.
Mas os eleitores, até onde posso ver, não se mostraram tão dóceis assim.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.