São Paulo, quarta-feira, 07 de novembro de 2007

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Crítica/erudito

Antonio Meneses leva cada nota ao limite da expressão

Violoncelista pernambucano toca com a mesma intensidade de 25 anos atrás

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A seção final do "Concerto para Violoncelo" de Elgar (1857-1934) é um desses milagres da arte, inimitável e sem explicação. Uma frase plangente vem caindo, caindo, cada vez cai de outro ponto, parece que nunca mais vai parar de cair, para dentro e para o fundo de alguma indecifrável verdade. Ouvir essa música tocada por Antonio Meneses foi um privilégio e tanto, encerrando a temporada do Cultura Artística anteontem.
Já se tornou tão previsível fazer elogios ao violoncelista pernambucano que cabe agora algum cuidado, para não deixar de elogiá-lo só por causa disso. Chegando aos 50 anos, o recém-nomeado professor do Conservatório de Berna (Suíça) segue tocando com a mesma intensidade que tinha aos 25, quando interpretou o "Concerto" de Elgar pela primeira vez. Cada nota, com ele, vai a um limite da expressão, sem jamais passar desse não nomeado limite, sua medida musical.
Acompanhado aqui pela Orquestra Filarmônica de Varsóvia, regida por Antoni Wit, ele fez um Elgar menos nostálgico do que de hábito. Menos eduardiano, menos "inglês". Quase nada, de fato, em Elgar corresponde a isso; mas, do modo como se toca sua música (especialmente na Inglaterra) às vezes até parece que sim.

Contexto
Composto logo depois da Primeira Guerra, em 1919, o "Concerto" é a obra-prima do autor das "Variações Enigma", da marcha "Pompa e Circunstância" e do também impressionante oratório "The Dream of Gerontius" (que a Osesp apresenta na semana que vem).
Começa de chofre com o violoncelo solo. E termina voltando ao começo, depois de passar pelo moto-perpétuo do segundo movimento e pelas confissões do terceiro. O violoncelo toca quase sem descanso. Entre as virtudes de Meneses está a capacidade de concentração, que não vacila nunca, nem nas alturas da corda lá, nem nas profundezas dos graves, que parecem mesmo atraídos para baixo pela força da gravidade.
A orquestra tem papel de mero acompanhante neste "Concerto". Antes dele os poloneses tocaram a "Abertura" da ópera "Guilherme Tell" de Rossini (1792-1868). Fizeram bonito -com destaque para o naipe de colegas violoncelistas-, sem chegar a ser memorável. Uma boa orquestra européia, cumprindo suas competências.
Claro que a Filarmônica, depois, deve ter feito muito bem a "Primeira Sinfonia" de Brahms (1833-1897), regida pelo vigoroso Wit. Mas há certos casos em que a música, depois de ouvida, precisa de silêncio, para ir decantando aos poucos. Vai caindo, caindo, para dentro e para o fundo de alguma indecifrável verdade. O Elgar foi assim. Depois de ouvir Meneses, não havia Brahms que valesse o silêncio, ou o barulho dos carros, que fosse, subindo a rua da Consolação.


Avaliação: ótimo

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