Encenada no teatro São Pedro, ópera vai ao campo e transforma o personagem em um pilantra adúltero

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O mito de Orfeu, com 25 séculos, já rendeu muita música. Foram, desde o século 17, ao menos 22 óperas e balés.
A história do rei harpista que tenta trazer de volta do mundo dos mortos sua mulher, Eurídice, foi pela primeira vez bagunçada pelo compositor francês Jacques Offenbach, em 1858. E sofreu no Brasil um novo travestimento por obra de Francisco Correa Vasques, com sua paródia "Orfeu na Roça", de 1868, sucesso no Rio de Janeiro daqueles tempos.
Pois é o texto de Vasques e a música de Offenbach que os paulistanos poderão assistir em três apresentações no teatro São Pedro, em produção do Projeto Ópera Estúdio do Centro Tom Jobim. A Orquestra Jovem do Estado tem direção de João Maurício Galindo. A direção cênica é de Neyde Veneziano e Mauro Wrona. A cenografia, dos alunos do Instituto Tomie Ohtake, e os figurinos, dos alunos da faculdade Santa Marcelina.
"Orfeu no Inferno - A Paródia" é uma descendente direta da reviravolta do enredo praticada pelos libretistas de Offenbach. Em lugar do deus mergulhado na melancolia pela morte da mulher, Orfeu é um pilantra adúltero, recém-viúvo de uma Eurídice que também colecionava aventuras amorosas. Na paródia de Vasques, Orfeu (Luiz Guimarães) se chama Zeferino Rabeca, um músico insuportavelmente medíocre, e Eurídice (Gabriella Rossi), rebatizada Brígida, foge para um sítio em que a bacanal que conclui a opereta é uma festa de são João com paçoca e milho. É, aliás, na bacanal que aparece em Offenbach uma das peças mais populares da música ligeira do século 19, o "Cancã", derivação urbana da quadrilha camponesa em que as bailarinas cometiam a petulância de mostrarem as roupas de baixo.