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Mostra expõe pesadelos da AL
De hoje a quarta-feira, "Cinema e Direitos Humanos" reúne produção política recente da região
Evento, promovido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, acontece em oito cidades, com filmes e debates sobre o tema
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente Hugo Chávez
costuma dizer que os acontecimentos trágicos do dia 27 de fevereiro de 1989 o estimularam
tanto a comandar um golpe de
Estado (fracassado) em 92 como a dar início à sua "revolução
bolivariana" na Venezuela.
Conhecido como "caracazo",
o episódio foi um massacre perpetrado pelo Exército e a polícia, sob o comando do então
presidente do país, Carlos Andrés Pérez, para conter uma
onda de manifestações populares em Caracas e cercanias.
Os protestantes, que reclamavam da instabilidade econômica e da inflação, saquearam
lojas e incendiaram carros e
ônibus na capital. Foram reprimidos brutalmente, e o saldo de
mortos hoje varia de 400 a cerca de 3.000 pessoas, segundo
estimativas oficiais e de organizações de direitos humanos.
"El Caracazo", de Román
Chalbaud, é um dos filmes da
mostra "Cinema e Direitos Humanos na América do Sul", que
reúne 30 filmes políticos latino-americanos recentes e inéditos, a partir de hoje e até 12 de
dezembro, em São Paulo.
Assim como a produção venezuelana, eles trazem elementos da história recente que
jogam luz à ebulição política
atual do continente. "Fiquei
impressionado com a quantidade de filmes sobre política
produzidos hoje na América
Latina", disse o curador, Giba
Assis Brasil. "Creio que tem a
ver com o momento político da
região, que leva as pessoas a terem mais vontade de refletir
sobre a atualidade, mas também com uma questão tecnológica. Com as câmeras digitais,
ficou tudo mais fácil, especialmente para a produção de documentários", conta à Folha.
A mostra é promovida pela
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República, com produção da
Cinemateca e do Sesc. Haverá
também debates nas sete cidades em que o evento acontece,
além de SP -Rio, Recife, Belém, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza.
Neste ano, os filmes estão divididos de modo temático, tomando os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos como referência. Por
exemplo, no item que se refere
ao "Direito de ir e vir", será exibido o mexicano "Do Outro Lado", que trata de imigração.
Já o que se refere à "Liberdade de Expressão" é ilustrado
por "A Cidade dos Fotógrafos",
documentário sobre fotógrafos
chilenos que, durante a ditadura, retrataram atrocidades do
regime e a agitação das ruas.
Seu trabalho ajudou a dar início a processos na Justiça contra o Estado. O grupo, porém,
foi infiltrado por agentes do governo e, aos poucos, massacrado. Os relatos dos sobreviventes são o eixo desta película.
Abertura
O filme que abre a programação hoje, em São Paulo, é a ficção "Matar a Todos", uma co-produção Chile/Argentina/Uruguai. Conta a história de uma
advogada que investiga a proteção que o Exército uruguaio
deu a um químico chileno responsável por produzir gás sarin
para Pinochet. A ação se passa
durante o processo de redemocratização de parte do Cone
Sul, mas evidencia estruturas
das ditaduras ainda atuantes.
A advogada em questão é filha de um general, e tem, assim,
de enfrentar uma cisão política
também dentro da família.
Há ainda algumas produções
brasileiras. "Eu Vou de Volta",
média-metragem de Claudio
Assis e Camilo Cavalcante, reúne relatos de passageiros que
viajam de ônibus nos trajetos
de ida e volta entre São Paulo e
Caruaru. Tão incômodo como
essas longas jornadas, o filme
expõe não só as histórias de vida e de ilusões dos passageiros,
mas também o inchaço dos pés,
a sujeira dos banheiros e outros
inconvenientes que vão surgindo ao longo do trajeto.
O cineasta veterano Fernando Solanas tem uma retrospectiva de seus trabalhos recentes
sobre a Argentina após o colapso neoliberal de 2001. Trata-se
de uma trilogia, composta pelos
filmes "Argentina Latente",
"La Dignidad de los Nadies" e
"Memoria del Saqueo".
Por meio deles, dá para sentir
como Solanas (de "La Hora de
los Hornos" e "Tango - O Exílio
de Gardel") foi se tornando obcecado pelas feridas recentes
da Argentina. Obsessão esta,
inclusive, que o levou a candidatar-se a presidente nas últimas eleições, vencidas por
Cristina Kirchner.
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