São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007

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Mostra expõe pesadelos da AL

De hoje a quarta-feira, "Cinema e Direitos Humanos" reúne produção política recente da região

Evento, promovido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, acontece em oito cidades, com filmes e debates sobre o tema

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Hugo Chávez costuma dizer que os acontecimentos trágicos do dia 27 de fevereiro de 1989 o estimularam tanto a comandar um golpe de Estado (fracassado) em 92 como a dar início à sua "revolução bolivariana" na Venezuela.
Conhecido como "caracazo", o episódio foi um massacre perpetrado pelo Exército e a polícia, sob o comando do então presidente do país, Carlos Andrés Pérez, para conter uma onda de manifestações populares em Caracas e cercanias.
Os protestantes, que reclamavam da instabilidade econômica e da inflação, saquearam lojas e incendiaram carros e ônibus na capital. Foram reprimidos brutalmente, e o saldo de mortos hoje varia de 400 a cerca de 3.000 pessoas, segundo estimativas oficiais e de organizações de direitos humanos.
"El Caracazo", de Román Chalbaud, é um dos filmes da mostra "Cinema e Direitos Humanos na América do Sul", que reúne 30 filmes políticos latino-americanos recentes e inéditos, a partir de hoje e até 12 de dezembro, em São Paulo.
Assim como a produção venezuelana, eles trazem elementos da história recente que jogam luz à ebulição política atual do continente. "Fiquei impressionado com a quantidade de filmes sobre política produzidos hoje na América Latina", disse o curador, Giba Assis Brasil. "Creio que tem a ver com o momento político da região, que leva as pessoas a terem mais vontade de refletir sobre a atualidade, mas também com uma questão tecnológica. Com as câmeras digitais, ficou tudo mais fácil, especialmente para a produção de documentários", conta à Folha.
A mostra é promovida pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, com produção da Cinemateca e do Sesc. Haverá também debates nas sete cidades em que o evento acontece, além de SP -Rio, Recife, Belém, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza.
Neste ano, os filmes estão divididos de modo temático, tomando os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos como referência. Por exemplo, no item que se refere ao "Direito de ir e vir", será exibido o mexicano "Do Outro Lado", que trata de imigração.
Já o que se refere à "Liberdade de Expressão" é ilustrado por "A Cidade dos Fotógrafos", documentário sobre fotógrafos chilenos que, durante a ditadura, retrataram atrocidades do regime e a agitação das ruas. Seu trabalho ajudou a dar início a processos na Justiça contra o Estado. O grupo, porém, foi infiltrado por agentes do governo e, aos poucos, massacrado. Os relatos dos sobreviventes são o eixo desta película.

Abertura
O filme que abre a programação hoje, em São Paulo, é a ficção "Matar a Todos", uma co-produção Chile/Argentina/Uruguai. Conta a história de uma advogada que investiga a proteção que o Exército uruguaio deu a um químico chileno responsável por produzir gás sarin para Pinochet. A ação se passa durante o processo de redemocratização de parte do Cone Sul, mas evidencia estruturas das ditaduras ainda atuantes.
A advogada em questão é filha de um general, e tem, assim, de enfrentar uma cisão política também dentro da família.
Há ainda algumas produções brasileiras. "Eu Vou de Volta", média-metragem de Claudio Assis e Camilo Cavalcante, reúne relatos de passageiros que viajam de ônibus nos trajetos de ida e volta entre São Paulo e Caruaru. Tão incômodo como essas longas jornadas, o filme expõe não só as histórias de vida e de ilusões dos passageiros, mas também o inchaço dos pés, a sujeira dos banheiros e outros inconvenientes que vão surgindo ao longo do trajeto.
O cineasta veterano Fernando Solanas tem uma retrospectiva de seus trabalhos recentes sobre a Argentina após o colapso neoliberal de 2001. Trata-se de uma trilogia, composta pelos filmes "Argentina Latente", "La Dignidad de los Nadies" e "Memoria del Saqueo".
Por meio deles, dá para sentir como Solanas (de "La Hora de los Hornos" e "Tango - O Exílio de Gardel") foi se tornando obcecado pelas feridas recentes da Argentina. Obsessão esta, inclusive, que o levou a candidatar-se a presidente nas últimas eleições, vencidas por Cristina Kirchner.


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