São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007

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Crítica/"Novo Mundo"

Diretor italiano lança olhar original e atual sobre a imigração

Mais recente longa de Emanuele Crialese, "Novo Mundo", premiado no Festival de Veneza em 2006, entra em cartaz

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O começo faz pensar em um desses filmes que, desde os tempos do reinado de Ettore Scola, mergulham no passado para de lá nunca mais voltar. Filmes que povoaram a decadência do cinema italiano.
Afinal, estamos numa região especialmente inóspita da Sicília, no início do século 20. É ali que Salvatore Mancuso tomará a decisão de se desfazer dos seus bens e partir para a América. Para o "Novo Mundo" de que fala o título do filme.
Embora tenha estudado cinema em Nova York, o diretor Emanuele Crialese deixa claro desde o início que não está lá para renegar suas origens.
Desde os momentos iniciais, impõe ao espectador os prazeres de significados não-conhecidos, quando mostra dois homens subindo uma montanha pedregosa, com pedras na boca.
Cada gesto que se faz, cada sapato que se veste, cada cabra que atravessa o caminho vem com um sentido próprio e original: nunca vimos a imigração ser tratada dessa maneira.
O segundo ato (o filme divide-se de maneira rígida em três partes) diz respeito à viagem. À vertigem da viagem dos Mancuso, personificada pela estranha presença da inglesa Lucy (Charlotte Gainsbourg). Existem, é claro, os apertos da viagem na terceira classe, a insalubridade, as dores. Mas é Lucy quem faz da viagem uma experiência especial.
Pois todo o tempo nos perguntamos quem ela é. O que faz uma inglesa entre italianos?
Por que chegou lá? Será uma prostituta? O mais interessante é que "Novo Mundo" não fornece respostas para essas perguntas. Lucy move-se da maneira mais ambígua do mundo, preserva-se: seu mistério leva o filme assim como atrai os olhares sonhadores dos homens, em particular o de Salvatore (Vincenzo Amato). Lucy é a América antes da chegada à América.

Chegada
A terceira e última parte, a mais surpreendente, diz respeito à chegada do grupo a Ellis Island, nos EUA, onde foi feita a triagem entre os que podiam entrar no país e os que não podiam.
É parte principal, e convém não mencioná-la senão de passagem. Em todo caso, este é o momento que afirma a atualidade do filme. Pois o ato de migrar em busca de novas possibilidades de vida hoje é corriqueiro. Ocorre aos mexicanos (e brasileiros) que procuram os EUA, assim como aos albaneses que buscam trabalho na Itália.
Se "Novo Mundo" consegue fazer com sucesso essa passagem entre passado e presente é porque detém-se, com cuidado e paciência, nas levas migratórias do início do século passado. Essas pessoas geraram toda a mitologia que conhecemos em torno da imigração, seja a do progresso individual, seja a da colaboração ao desenvolvimento dos países.
"Novo Mundo" permite relançar a indagação tanto sobre os sofrimentos infames aos quais são submetidas essas pessoas como sobre a desconfiança que os nativos costumam alimentar em relação ao estrangeiro, ao outro, ao mesmo tempo em que o explora. Se nós consentimos que essa questão seja relançada, isso nada tem a ver com o filme, diretamente: "Novo Mundo" mostra, mostra bem. O resto é conosco.


NOVO MUNDO
Direção:
Emanuele Crialese
Produção: Itália, Alemanha, França, 2006
Com: Vincenzo Amato, Charlotte Gainsbourg, Aurora Quattrocchi, Filippo Pucillo, Vincent Schiavelli
Onde: a partir de hoje nos cines Bombril e Reserva Cultural
Avaliação: ótimo


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