São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007

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Crítica/teatro/"Homem Sem Rumo"

Club Noir monta peça perturbadora

Com Juliana Gaudino e Marat Descartes e direção de Roberto Alvim, grupo dá força a texto do norueguês Arne Lygre

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O Club Noir, que iniciou sua trajetória com "Anátema", instigante parceria entre o dramaturgo e diretor Roberto Alvim e a atriz criadora Juliana Galdino, promove agora com "Homem sem Rumo" uma estréia importante para o teatro brasileiro: a do dramaturgo Arne Lygre.
Norueguês, lançado na Europa há dez anos, a Lygre coube a tarefa de continuar o trabalho de Ibsen, ou seja, retratar o mais verdadeiramente possível a situação social e política de sua época -e, para isso, continuar reformando o teatro, já que o realismo, instrumento aperfeiçoado por Ibsen, vem se tornando um espelho opaco.
Para voltar a refletir a platéia, Lygre evitou, por outro lado, o discurso panfletário. Sua linguagem se aparenta mais à de Beckett, a fatia de realidade exposta tão cruamente que se torna onírica. Assim, "Homem sem Rumo", com seus cortes bruscos, sua crueldade contida, faz pensar em um "Cidadão Kane" filmado segundo as regras do Dogma, de Lars von Trier. Na fábula, Peter, por impulso, gasta toda a sua fortuna para formar uma cidade. Na ocasião de sua morte, as aparências se desmancham: todos em sua respeitável família eram forjados.
Fosse esse um melodrama, minha frase anterior seria um "spoiler", estragaria o prazer da reviravolta. Mas não há golpes de teatro em Lygre, como não há vilões nem vítimas. O mecanismo preciso e absurdo da acumulação capitalista surge quase como uma maldição; com dinheiro ou sem, todos são vítimas de uma despersonalização geral.
Como acontece muito com os dramaturgos-diretores (ao contrário dos diretores-dramaturgos, que adoram deixar uma assinatura clara no texto base), Roberto Alvim respeita de modo inflexível o texto de outro autor. Dividindo com Juliana Fernandes cenário e figurino, e assinando ainda iluminação e trilha, faz um espetáculo sóbrio e enxuto, que não sobrepõe nada ao despojamento do texto.
Da mesma forma, os atores se juntam a Juliana Galdino numa performance precisa e contida. Cada vez mais maduro, Marat Descartes, o protagonista, deixa de vez a grandiloquência do início de sua carreira para se firmar como um dos grandes atores de sua geração. Juliana Galdino, como sua ex-mulher, se beneficia muito do minimalismo exigido para se desintoxicar do expressionismo que tanto a destacou nas montagens de Antunes Filho, sem perder o carisma. O mesmo pode ser dito de Milhen Cortaz e Lavinia Pannunzio, irmãos de Peter, e é preciso acrescentar que, não houvesse tanta força represada, o espetáculo poderia se tornar tedioso.
Não que seja um espetáculo fácil. A voluntária lentidão se sustenta em minúcias para merecer o olhar atento da platéia, sem nenhuma concessão ao efeito. Exigida, esta parece se sentir recompensada: algo de novo, e perturbador, acontece por meio do Club Noir.


HOMEM SEM RUMO
Quando:
sex. e sáb., 21h. Até 16/12
Onde: Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, Bela Vista, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Avaliação: ótimo


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