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Crítica/teatro/"Homem Sem Rumo"
Club Noir monta peça perturbadora
Com Juliana Gaudino e Marat Descartes e direção de Roberto Alvim, grupo dá força a texto do norueguês Arne Lygre
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
O Club Noir, que iniciou
sua trajetória com
"Anátema", instigante
parceria entre o dramaturgo e
diretor Roberto Alvim e a atriz
criadora Juliana Galdino, promove agora com "Homem sem
Rumo" uma estréia importante
para o teatro brasileiro: a do
dramaturgo Arne Lygre.
Norueguês, lançado na Europa há dez anos, a Lygre coube a
tarefa de continuar o trabalho
de Ibsen, ou seja, retratar o
mais verdadeiramente possível
a situação social e política de
sua época -e, para isso, continuar reformando o teatro, já
que o realismo, instrumento
aperfeiçoado por Ibsen, vem se
tornando um espelho opaco.
Para voltar a refletir a platéia,
Lygre evitou, por outro lado, o
discurso panfletário. Sua linguagem se aparenta mais à de
Beckett, a fatia de realidade exposta tão cruamente que se torna onírica.
Assim, "Homem sem Rumo",
com seus cortes bruscos, sua
crueldade contida, faz pensar
em um "Cidadão Kane" filmado segundo as regras do Dogma, de Lars von Trier. Na fábula, Peter, por impulso, gasta toda a sua fortuna para formar
uma cidade. Na ocasião de sua
morte, as aparências se desmancham: todos em sua respeitável família eram forjados.
Fosse esse um melodrama,
minha frase anterior seria um
"spoiler", estragaria o prazer da
reviravolta. Mas não há golpes
de teatro em Lygre, como não
há vilões nem vítimas. O mecanismo preciso e absurdo da
acumulação capitalista surge
quase como uma maldição;
com dinheiro ou sem, todos são
vítimas de uma despersonalização geral.
Como acontece muito com
os dramaturgos-diretores (ao
contrário dos diretores-dramaturgos, que adoram deixar uma
assinatura clara no texto base),
Roberto Alvim respeita de modo inflexível o texto de outro
autor. Dividindo com Juliana
Fernandes cenário e figurino, e
assinando ainda iluminação e
trilha, faz um espetáculo sóbrio
e enxuto, que não sobrepõe nada ao despojamento do texto.
Da mesma forma, os atores
se juntam a Juliana Galdino
numa performance precisa e
contida. Cada vez mais maduro, Marat Descartes, o protagonista, deixa de vez a grandiloquência do início de sua carreira para se firmar como um dos
grandes atores de sua geração.
Juliana Galdino, como sua ex-mulher, se beneficia muito do
minimalismo exigido para se
desintoxicar do expressionismo que tanto a destacou nas
montagens de Antunes Filho,
sem perder o carisma. O mesmo pode ser dito de Milhen
Cortaz e Lavinia Pannunzio, irmãos de Peter, e é preciso
acrescentar que, não houvesse
tanta força represada, o espetáculo poderia se tornar tedioso.
Não que seja um espetáculo
fácil. A voluntária lentidão se
sustenta em minúcias para merecer o olhar atento da platéia,
sem nenhuma concessão ao
efeito. Exigida, esta parece se
sentir recompensada: algo de
novo, e perturbador, acontece
por meio do Club Noir.
HOMEM SEM RUMO
Quando: sex. e sáb., 21h. Até 16/12
Onde: Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, Bela Vista, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Avaliação: ótimo
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