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"Fui com medo e fiquei com mais medo ainda"
Maurício Ianês faz balanço dos 13 dias em que morou, pelado, no vazio da Bienal
Destaque da mostra, encerrada ontem, artista ficou em silêncio durante duas semanas e dependeu de doações para comer
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Maurício Ianês se jogou pelado num rio cheio de piranhas.
Essa foi a sensação do artista
quando começou a viver no pavilhão da Bienal sem roupa
nem comida, sua performance
nesta edição da mostra. Entre
os dias 4 e 16 de novembro, dependeu das doações dos visitantes para comer e se vestir.
"Para ser sincero, eu não esperava terminar esse trabalho",
conta Ianês em entrevista à Folha. "Eu já entrei com medo e
fiquei com mais medo ainda,
pensei muito em desistir."
Isso porque, apesar de ser conhecido por iniciados nas artes
plásticas -suas performances
polêmicas na galeria Vermelho,
como quando se deitou no chão
nu e coberto de purpurina por
horas seguidas, já tinham sua
parcela de público-, Ianês
nunca havia despertado interesse tão grande da imprensa.
"A gente é tratado como um
pedaço de carne jogado num rio
de piranhas", desabafa. "Se falarem mal do meu trabalho, tudo bem, mas não estou acostumado com esse tratamento de
celebridade, do ser humano como objeto, isso me assustou."
Sustos à parte, não seria exagero dizer que a performance
de Ianês entrará para a história
desta Bienal, encerrada ontem,
como a experiência mais bem-sucedida de uma mostra considerada um grande fracasso por
boa parte dos críticos.
Se a idéia dos curadores Ivo
Mesquita e Ana Paula Cohen
era aproximar o público da arte, nada tornou esse contato tão
vivo quanto a presença corajosa e insólita de Ianês, que vagou
nu pelo andar vazio e ganhou
roupas e comida do público.
Cara a cara
E tudo isso olho no olho. Ianês decidiu não falar nos 13 dias
que passou vivendo no pavilhão. Toda a comunicação se
dava por mímicas e olhares.
Ele lembra que um menino
chegou a ficar 40 minutos sem
desviar os olhos dos seus, nem
falar uma palavra. O artista não
agüentou e fez um gesto para
encerrar o encontro. Uma platéia silenciosa, que se juntara
em torno deles, acompanhou
tudo e aplaudiu só no final.
A reação surpreendeu Ianês,
que desconfiava da resposta do
público. Passar 40 minutos
olho no olho com um desconhecido não se compara a garantir a audiência atenta do
grande público, que não se desgrudou dele em duas semanas
de performance -duas mulheres chegaram a visitar o artista
todos os dias na Bienal.
Mesmo quando ficou doente
-Ianês passou mal por causa
da má alimentação durante a
performance e chegou a vomitar quatro vezes num dia-, o
artista não interrompeu a ação,
tentando manter estreito esse
laço com desconhecidos.
Auto-ajuda
"Eu era a projeção da necessidade das pessoas, que me
viam com uma carga religiosa,
como se eu apontasse o caminho da vida", descreve Ianês.
"Isso mostrou muito a carência
de todo mundo, entendi porque
os best-sellers acabam sendo
sempre livros de auto-ajuda."
No final, Ianês sentiu que
não era ele quem estava na posição mais vulnerável. Mesmo
que dependesse da bondade
dos outros, virou uma espécie
de oráculo silencioso, um xamã
no andar vazio: nessa onda religiosa, visitantes confessaram
até seus pecados ao artista.
"Era uma situação em que todo mundo podia se expressar, e
as pessoas aproveitaram para
ter um contato mais íntimo",
lembra Ianês, que ouviu até
confissões de gente que traiu o
namorado. "Minha mãe, minha
tia e amigos usaram o trabalho
para dizer coisas que não diriam em casa. Tenho vontade
de armar mais situações assim,
esse cara a cara tão forte."
Impossível afirmar se essa
força vai ou não se repetir nos
próximos trabalhos de Ianês,
que tenta agora medir o peso do
próprio sucesso nesta Bienal.
"Dizer que minha performance
salvou a Bienal não me diz nada, embora todo mundo diga
que a mostra foi uma merda",
diz o artista. "Colocaram a cruz
nas minhas costas; é uma carga
que eu não gosto de carregar."
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