São Paulo, quarta-feira, 08 de janeiro de 2003

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CRÍTICA

Mais romance, menos fé

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Difícil não associar de imediato esta adaptação livre de "O Crime do Padre Amaro" para o cinema a um novelão.
Temos um mundo dominado pela cobiça, a pequena Los Reyes, no México de hoje -que substitui a provinciana Leiria do século 19, do romance original de Eça de Queiroz. O local é dominado pelo tráfico de drogas e a ganância corrói todas as instâncias do poder, a igreja, a imprensa, os políticos.
Há uma mocinha, Amélia, bela e religiosa. E um mocinho, Amaro, um padre idealista que se escandaliza ao ver os abusos cometidos pela igreja em nome da fé.
Fosse um dramalhão televisivo, o padre se apaixonaria pela moça, denunciaria os padres corruptos, enfrentaria a sociedade conservadora e o amor triunfaria. E é o que se vislumbra no princípio.
Porém o que se anuncia como um melodramático romance de tom maniqueísta se desconstrói. A idéia central da obra de Eça, afortunadamente, se mantém: Amaro vai se transformando em um homem tão cínico e leviano quanto o clero a quem o livro atacava tão violentamente.
O Amaro mexicano é, porém, mais ambicioso que o original -cuja fraqueza residia em sua ingenuidade e em sua indiferença pela fé. Aqui, ele quer ascender na hierarquia, nem que para isso tenha que sacrificar a amante.
Para expor a hipocrisia do clero mexicano, Carrera ensaia fazer com que Amaro se aprofunde em sua busca espiritual. A chance surge quando ele se vê defronte de padre Natalio, um cura ligado à Teologia da Libertação que tem ligações com guerrilheiros que enfrentam os senhores da droga. O filme, porém, falha ao não precisar o quanto as convicções de Amaro são abaladas por isso.
Se o romance entre Amaro e Amélia desenvolve-se como uma novela televisiva, é o embate do padre consigo próprio, ao ver-se entre exemplos da igreja corrupta (o opulento padre Benito) e o da religião como transformadora política (o revolucionário Natalio) que poderia conferir ao filme alguma consistência. Carrera oferece os elementos a seu personagem, mas mostra-se incapaz de fazê-lo dialogar com eles.


O Crime do Padre Amaro
El Crimen del Padre Amaro
  


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