São Paulo, quarta-feira, 08 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Um dos pilares do soul, Solomon Burke retorna à nobreza do pop com "Don't Give Up on Me"


A volta do rei Solomon

Divulgação
O americano Solomon Burke, 64, um dos fundadores da música soul, que tem seu "Donīt Give Up on Me" lançado no Brasil



Músico fala à Folha sobre CD, que sai no Brasil, com temas feitos para ele por Bob Dylan, Brian Wilson e cia.


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O "hello" possante de Solomon Burke, ao telefone, já não deixa dúvida. Aos 62 anos, essa majestade da música soul está mesmo no que se chama de "ponta dos cascos", na sua melhor forma.
Depois de anos e anos longe das grandes gravações, inauguradas em uma esplêndida fase no selo Atlantic, nos anos 60, o astro norte-americano voltou a portar seu cetro, manto e coroa em 2002.
Com "Don't Give Up on Me", esse nome fundador do soul arrebatou o elogio rasgado das principais publicações de música pop da língua inglesa, da "Rolling Stone" americana à britânica "Mojo", que, na edição deste mês, elege o álbum como o melhor de 2002.
A espetacular ressurreição de Mr. Burke agora está entre nós. Lançado nos Estados Unidos pelo selo independente Fat Possum, o disco está chegando ao Brasil pelas mãos da Sum Records.
"Brasil?", interroga a voz gutural desse filho da cidade de Filadélfia. "Sou um apaixonado varrido pelo Brasil. Sempre foi um dos meus maiores sonhos ir até aí, mas ninguém convidou. Quando vi que Michael Jackson ia gravar no Brasil fiquei louco de inveja", diz Burke em entrevista à Folha.
E Michael Jackson, como a maioria esmagadora dos grandes astros pensantes do soul, pop, rock, r&b e variantes, não hesitaria em apontar Solomon Burke como fonte na qual bebeu.
Foram eles, por sinal, que ajudaram a reinstaurar o reinado de Solomon. Convidado pelo dono da Fat Possum, Andy Kaulkin, a colaborar com um novo álbum do soul man, um "dream team" do pop inteligente disse imediatamente o "sim".
"Don't Give Up on Me" é composto em sua maioria por inéditas de Bob Dylan (a fantástica "Stepchild"), Tom Waits, Brian Wilson, Van Morrison etc., talhadas para o vozeirão de Burke.
Que tal a experiência de trabalhar com essa geração mais nova? "I-na-cre-di-tá-vel", responde o cantor. "Estou até hoje tentando acreditar que essas pessoas todas se mobilizaram para me ajudar."
Das histórias de bastidor deste CD, a favorita do músico parece ser a de uma visita que recebeu durante as gravações.
"Man, eu estava no estúdio com velas acesas, entrando no clima, buscando o momento místico de trabalhar, quando um dos técnicos veio gritando "Elvis está aqui. Elvis está aqui'", conta. "Pensei: Caramba, eu tinha pedido para a gravadora não permitir drogas aqui no estúdio. Sou um homem de fé. Agora alguém fumou e acha que Elvis Presley está aqui."
Era Elvis Costello, que voou de surpresa de Londres até Los Angeles (onde fica o estúdio, e cidade em que Burke vive) só para acompanhar "King Solomon" cantando sua faixa "The Judgement". "Foi uma emoção e tanto", diz o cantor, emendando com um "Oh, my God", um dos 27 que disse na entrevista à Folha.
Não é sem alguma intimidade que Burke evoca a Deus. Foi assim por toda a sua vida e, diz a lenda -e o próprio Burke-, antes mesmo de sua vida. "Minha avó teve um sonho 12 anos antes de eu nascer de que teria um neto sagrado e fundou uma igreja para mim." Assim como Dalai Lama, ele foi sagrado pastor da igreja The House of God for All People no dia em que nasceu. Aos sete anos, o até hoje líder dessa igreja (com 168 "templos de Salomão" e 40 mil fiéis por todo os EUA) fez o seu primeiro sermão.
Mas foi outro ato da mesma avó que marcou mais sua trajetória. No Dia da Ação de Graças de 1954 ela colocou um violão embaixo do travesseiro do jovem Solomon. E menos de dez anos mais tarde lá estavam, ele e viola, no selo Atlantic, ao lado de nomes como Wilson Pickett e Otis Redding.
Mais do que rei do soul, Burke assumiu foi o trono do chamado rock'n'soul (título de um de seus primeiros álbuns).
"Começaram a me chamar de rei do rock'n'soul no início dos 60. É que eu fazia, e faço, músicas com muito sentimento, mas não apenas baladas lentas. Também há movimento aí", diz o vozeirão do autor de "Everybody Needs Somebody to Love", gravado com sucesso pelos Rolling Stones.
Quatro décadas depois, com mais de 140 quilos, Burke não perdeu em movimento nem em sentimento, aponta o disco "Don't Give Up on Me".
"Mantenho a forma com fé em Deus, nada de bebidas e cigarros, um monte de comida boa, 21 filhos, 68 netos e nove bisnetos. Todo o tempo tenho de estar com a voz grossa para dizer: "Ei, você, volte aqui", "Ei, você, coma todo o seu prato", "Ei, você, faça sua lição de casa". Oh, my God, é infalível."

DON'T GIVE UP ON ME. Artista: Solomon Burke. Lançamento: Sum Records. Quanto: R$ 25 (em média)


Texto Anterior: Marcelo Coelho: A vingança do circo contra o cinema
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.