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DRAMA
Filmado em 1963, "Paixões que Alucinam" retrata loucura coletiva da América
Aspecto de "colagem" pontua filme mítico de Samuel Fuller
CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"A quem Deus quer destruir, primeiro o enlouquece." A epígrafe de Eurípides
não destoa do programa de Samuel Fuller neste "Paixões que
Alucinam", filme mítico e praticamente invisível antes deste lançamento em DVD.
Pois a antiga "hubris" grega nada perdeu de seu vigor na história
de Johnny, um repórter pronto a
se internar num hospício em busca da verdade sobre um assassinato cometido ali dentro, mas cuja
verdadeira ambição é conquistar
a glória de um Prêmio Pulitzer.
Como a repetir o mote "quem tudo quer tudo perde", Fuller já põe
o espectador de sobreaviso desde
a citação de Eurípides.
Os corredores do hospício (o tal
"Shock Corridor" do mal traduzido título) servem de rua e de palco
para Fuller demonstrar sua visão
ultrapessimista daquela América
de 1963, assombrada por fantasmas externos (a Guerra Fria) e internos (o racismo) e nada muito
distante desta que conhecemos
hoje.
Por esses corredores, mais do
que loucos, transitam loucuras: a
do veterano da Guerra da Coréia
considerado um traidor, a do negro tomado pelos valores de seus
perseguidores e que lança um
programa de extermínio racista
secreto chamado Ku Klux Klan
(numa cena espetacular); um físico agraciado com o Nobel e perturbado pela participação no desenvolvimento da bomba atômica. Loucuras, sim, mas nunca estritamente pessoais. Antes, loucuras de uma nação, coletivas e, por
isso mesmo, fora de qualquer
controle.
Fuller foi acusado muitas vezes
de ser um protofascista, de estimular os baixos instintos das platéias com suas histórias em que a
violência se conjuga com uma
certa "imoralidade" do seu ponto
de vista. Herdeiro das histórias
policiais dos filmes "noir", povoadas de personalidades dominadas
pelos chamado "lado escuro da
alma", Fuller -ao lado de Robert
Aldrich, um diretor da mesma família mental- trouxe para o cinema americano dos anos 50 um
contraponto às ficções edulcoradas de Hollywood.
Para mostrar esses outros pontos de vista, tais diretores renovaram esteticamente a forma de
narrar, com o uso de recursos expressivos incomuns. "Paixões que
Alucinam" é um tratado nesse
sentido. Todo em interiores, o filme explora seu tema por meio de
uma impressionante fotografia
em preto-e-branco de contraste
duro e seco, cortes abruptos, closes insólitos e inserção de seqüências de delírio em cores e em outra
textura, que dão um aspecto de
colagem, de um improviso improvável em comparação com o
cinemascope liso dominante na
Hollywood da época.
Essas invenções formais, que há
décadas se tornaram clichês nas
mãos dos fazedores de videoclipes, em sua origem denotavam
extrema violência para o espectador, e sua influência foi em seguida assimilada por cineastas promotores da renovação das formas
tradicionais (tanto pelos modernistas, como os da nouvelle vague
francesa, quanto pelos jovens
americanos surgidos em fins dos
anos 60).
A influência dessa independência em relação aos cânones pode
ser conferida hoje em diretores
como Scorsese e Tarantino, que
vêem em Fuller o cineasta da alma
em pedaços e o cultuam como um
autêntico pai espiritual.
Paixões que Alucinam
Direção: Samuel Fuller
Distribuidora: Aurora Filmes; R$ 35
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