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Lynch lança livro, pó de café e filme
"Inland Empire", primeiro longa do cineasta desde 2001, é exibido em sala de Nova York que também vende seu expresso
Considerado extravagante
por Hollywood, diretor
escreveu obra descrita
como auto-ajuda sobre
meditação transcendental
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA, EM NOVA YORK
Um diversificado quarteirão
do West Village, onde um dos
principais cinemas alternativos de Manhattan convive com
meia dúzia de lojas de tatuagens e de artigos eróticos, vem
atraindo uma peregrinação de
admiradores do norte-americano David Lynch.
"Inland Empire", primeiro
longa do cineasta desde "Cidade dos Sonhos" (2001), é exibido com exclusividade em Nova
York na sala 2 do descolado
IFC Center, em companhia,
desde a última sexta, de uma
retrospectiva dedicada ao norte-americano Robert Altman e
de "A Comédia do Poder", do
francês Claude Chabrol.
A meio quarteirão da lendária casa de shows Blue Note, o
cinema é provavelmente o único do planeta onde a fila para os
banheiros se forma em uma pequena galeria que expõe cartazes raros de filmes do japonês
Akira Kurosawa -um deles assinado pelo próprio cineasta. E,
também, o único em que se pode assistir a um longa de David
Lynch tomando café produzido
por... David Lynch.
Paul Newman comercializa
molhos, e Francis Coppola, vinhos. Que mal há em prensar
café? Lynch diz tomar uma dúzia de canecas por dia. Sai caro
acompanhá-lo, se o pó usado
for o seu: a embalagem com
cerca de um quilo, vendida com
exclusividade pela bombonière
do IFC Center, custa US$ 25
(cerca de R$ 53); uma dose pequena, equivalente a uma caneca, US$ 2 (R$ 4,30).
Recém-lançado, o café é mais
um item na lista de suas extravagâncias recentes, que incluem o próprio "Inland Empire", uma aparição com uma vaca em sua campanha solitária
para a indicação de Laura Dern
ao Oscar de melhor atriz e um
livro de auto-ajuda sobre meditação transcendental.
"Catching the Big Fish: Meditation, Consciousness, and
Creativity" (Pegando o peixe
grande: meditação, consciência
e criatividade; Jeremy P.Tarcher/Penguin, US$ 19,95) reúne 84 textos breves, de no máximo três páginas cada, que expõem a visão de Lynch sobre o
seu processo criativo e sua relação com o mundo.
Aos que procuram explicações para os símbolos e as situações enigmáticas de filmes
como "Eraserhead" (77), "Veludo Azul" (86), "Coração Selvagem" (90) e "A Estrada Perdida" (97), o livro é útil, na pior
das hipóteses, por recomendar
ao espectador que não corra
atrás de explicações prontas.
"É um absurdo um cineasta
precisar dizer em palavras o
que o filme significa", diz ele no
capítulo "Interpretação". "Você não precisa dizer nada além
da obra. Às vezes, as pessoas dizem que têm problemas em entender um filme, mas eu penso
que elas entendem muito mais
do que percebem, porque fomos todos abençoados com a
intuição -temos realmente o
dom de intuir coisas."
Há também quem diga que
não entende música, compara.
"Mas muitas pessoas a experimentam de uma forma emocional e concordariam que ela é
um abstração. Você não precisa
pôr música em palavras -você
apenas escuta. Cinema se parece muito com música."
Dedicado a "Sua Santidade
Maharishi Mahesh Yogi", o livro se baseia em uma metáfora
de pescador. "Se você quer pegar peixes pequenos, pode ficar
em água rasa. Mas, se quer peixes grandes, precisa ir mais
fundo. Esses são mais poderosos e puros. São fortes e abstratos. E são muito bonitos."
"Ir mais fundo" é o que diz
ter aprendido em 33 anos de
prática de meditação transcendental, à qual foi apresentado
em julho de 1973 por uma professora "que se parecia com Doris Day" e que lhe ensinou um
mantra. Desde então, ele afirma meditar 20 minutos toda
manhã e outros 20 à tarde.
Haicais em prosa
Além de reconstituir a trajetória de artista plástico, cineasta e compositor, os textos (quase haicais em forma de prosa,
que abordam conceitos simples, sem firulas ou autoglorificação) lembram como chegou a
idéias-chave para filmes, ou
"pedaços de um quebra-cabeça
que apontam para o restante".
"Em "Veludo Azul", foram lábios vermelhos, um gramado
verde e uma canção -a versão
de Bobby Vinton para "Blue
Velvet". A coisa seguinte foi
uma orelha largada no campo.
Você se apaixona por essa primeira idéia, por essa pequena
peça. E, uma vez que a tem, o
restante vem com o tempo."
Um prosaico erro de filmagem teria conduzido à criação
do assassino de Laura Palmer
na minissérie de TV "Twin
Peaks" (1990/91). E imagens de
O.J. Simpson sorrindo durante
seu julgamento teriam levado a
um conceito psicológico (o de
que a mente pode criar meios
para não encarar o horror) que
balizou "A Estrada Perdida".
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