São Paulo, sexta, 8 de janeiro de 1999

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Brasileira abre arquivos de Fidel


A carioca Claudia Furiati prepara biografia do líder cubano, para a qual teve, pela primeira vez na história, acesso a todos os documentos pessoais do "comandante"


CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial ao Rio

Vigiada só pelo Cristo Redentor, a carioca Claudia Furiati, 44, vem montando um quebra-cabeça cuja maior peça completa 40 anos hoje. Quando pronto, espera ter um belo retrato de Fidel Castro, que em 8 de janeiro de 1959 chegava a Havana para consolidar a Revolução Cubana.
Jornalista e historiadora, ex-professora da Universidade Federal Fluminense (RJ), Furiati prepara uma biografia do líder cubano. Para tanto, passou os últimos três anos em Havana. A discreta casa bege, "com um jardinzinho e algumas árvores em frente", na qual gastou a maior parte deles, esconde os arquivos pessoais de Fidel, que nunca havia confiado seus milhares de documentos com tal abertura a nenhum pesquisador.
A meio ano do prazo que tem para finalizar o livro de cerca de 800 páginas (incluindo seleção de 120 fotos, muitas inéditas até em Cuba), Furiati não sabe o nome que terá o fruto de seu trabalho. "Será "Minha História' ou "Sete Vidas'."
Ela também tem dúvidas se na capa estará estampada a expressão "biografia autorizada". "Nem ele (Fidel), nem eu gostamos muito dessa idéia. Vão pensar que ele fez censuras ao livro", explica.
A naturalidade com que usa o pronome "ele" para se referir a um dos maiores líderes políticos do mundo Furiati conquistou durante a realização de seu primeiro livro, "ZR - O Rifle Que Matou Kennedy" (ed. Revan, 1993), que conta o que os arquivos cubanos guardam sobre o assassinato de JFK.
Assim como nesse trabalho, a estrutura da biografia de Fidel deve seguir ordem cronológica. Começará com um capítulo inteiro sobre o nascimento (que, diga-se, segundo ela não foi em 1926, como indica sua certidão, mas em 1927) e terminará com a chegada do papa João Paulo 2º a Havana.
Os manuscritos que preenchem esse esqueleto não vão apenas para a editora Record, parceira no projeto. Por enquanto é certo que o resultado da colheita de nove horas diárias de centenas de páginas de anotações e de 56 disquetes de computador com todos os megabytes preenchidos por documentos também segue para a Alemanha, onde serão publicados pela editora Karl Blessing, e para a Espanha (editora Plaza & Janés).
Receosa de dar pistas do conteúdo desse trabalho, a pesquisadora havia tomado a decisão de não dar entrevistas. Semanas de conversas telefônicas depois, recebeu a Folha em seu apartamento sem pôsteres do "comandante" nas paredes.

Folha - Como foi o seu contato inicial com Fidel Castro?
Claudia Furiati -
A primeira vez que me encontrei com ele foi em 1986. Eu estava numa reunião em Havana, no encerramento do festival de cinema local. Eu tinha ido para lá fazer uma palestra. De repente, Fidel se aproximou de mim e começamos a conversar. Nos anos seguintes voltei sucessivamente a Cuba e sempre me encontrei com ele.
Quando soube que estávamos próximos dos 30 anos da morte de John Kennedy, me ocorreu a idéia de levantar as informações cubanas sobre o tema.
Nessa etapa, claro, minha relação com ele ficou mais estreita, porque eu mudei para lá. Fiquei em Cuba um ano e dois meses para essa pesquisa, que resultou no livro "ZR -°O Rifle Que Matou Kennedy".
Folha - Isso foi em que ano?
Furiati -
Foi o ano de 1992 inteiro e começo de 1993, quando parei para redigir o livro. Já nessa época, comecei a pensar em me dedicar a escrever sobre ele. Já havia lido outras biografias, ensaios biográficos, tentativas de biografias e sempre achei que eram limitadas.
Folha - Por quê?
Furiati -
Nelas, sempre havia ou um desejo de reverenciá-lo ou ódio. Sempre fiquei muito preocupada em como seria possível contar a história desse personagem enfrentando o desafio de não me deixar levar muito pela emoção, pelo carisma e, ao mesmo tempo, evitar a objetividade absoluta, que não existe. Foi isso o que me moveu a aceitar o desafio deste livro.
Folha - Quando começou a colocar esse desafio no papel?
Furiati -
Foi depois que eu estabeleci um canal direto com o gabinete dele. Ou seja, com os dois principais assessores de Fidel, que convivem diariamente com ele. Foi aí, em 1994, que fiz meu primeiro pré-projeto de uma biografia.
Folha - Mas esse canal que a sra. manteve com ele foi pessoal?
Furiati -
Começou a ser a partir de uma oportunidade em que eu casualmente acompanhei uma delegação de atores brasileiros que foram conversar com ele em 1994.
Fidel demonstrou claramente uma preocupação com a edição espanhola do meu livro (do "ZR"). Quando nos encontrou, ficou me olhando e disse: "Depois vou falar com você". No meio da conversa com os atores, ele virou para mim e falou: "O que eu estou lhe devendo para lhe ajudar?". Eu respondi: "Não, comandante, o sr. não me deve nada, eu é que lhe devo".
Essa simples troca de palavras aprofundou mais a vontade de escrever sobre ele.



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