São Paulo, sexta, 8 de janeiro de 1999 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice OS ARQUIVOS DE FIDEL Biógrafa diz que não houve ruptura com Che
do enviado ao Rio
Folha - Quantas vezes a sra. teve
encontros pessoais com Fidel para
escrever a biografia?
Folha - Esses arquivos são restritos a consultas? Furiati - Sim. Folha - Até para pesquisadores? Furiati - Totalmente restritos. Existem casos em que um ou outro investigador consegue permissão para alguma consulta específica. O arquivo inteiro nunca havia sido aberto para uma investigação completa sobre Fidel. Só foi aberto, não com tanta amplitude, para a pesquisa que Jon Lee Anderson fez para a biografia de Che Guevara. Folha - E o que a sra. pensa sobre a obra de Anderson ("Che - Uma Biografia", lançado no Brasil pela editora Objetiva em 1997)? Furiati - É um livro do ponto de vista da pesquisa bastante sério, mas tem problemas com relação a afirmações sobre o Fidel. Anderson fez um pouco de adivinhação. Folha - Como por exemplo... Furiati - Ele, assim como outros biógrafos de Che, insiste que existiu uma oposição entre o Fidel e o Che Guevara num determinado momento. Não houve uma ruptura entre os dois. Eu acho que Anderson esquece ou não se preocupa com fatos que demonstram que não houve uma ruptura. Folha - Jon Lee Anderson não fala em seu livro sobre um filho que Che Guevara teve fora de casamento. Se a sra. topasse com algo parecido, omitiria? Furiati - Não. Parto do princípio de que, se não tenho a informação objetiva, devo checar com Fidel. A vida pessoal dele nesse campo não tem nada de burguesa. Acho que as pessoas mais ou menos sabem ou intuem que sua vida afetiva é bastante ampla. Nada o leva a ter um comportamento jesuíta por ser chefe de Estado. Folha - Na Feira do Livro de Frankfurt de 98 os direitos de seu livro estavam sendo vendidos como se ele fosse se chamar "Minha História". O título será mantido? Furiati - Tenho dúvidas. Sugeri esse título em um momento em que estava influenciada pela música "Minha História", do Chico Buarque, na qual ele fala de um menino que, de repente, fica desamparado no mundo e tem que lutar para vencer. A história do Fidel é um pouco essa. O outro título possível para o livro é "Sete Vidas". Folha - Por quê? Furiati - Sete vidas do gato, a resistência, a bota de sete léguas, a capacidade de andar muitos quilômetros e sempre para a frente, de superar os obstáculos, sobretudo de ter fôlego. Até porque descobri que, várias vezes, na infância e na adolescência, ele conseguiu se salvar de afogamentos. Certa vez, quando tinha 13 anos, ele chegou a salvar do afogamento um padre que era de sua escola. Muito poucos conhecem esse episódio. Mas a reconstituição de todos esses fatos existem, checada com diversas fontes. Folha - Quantos foram os entrevistados para o livro? Furiati - Dezenas de longas entrevistas, apenas com pessoas que conviveram com ele, como seus sete irmãos. Folha - E o Fidel foi entrevistado? Furiati - Comecei a fazer uma longa entrevista com ele, mas ainda não completei. Só falta isso em termos de apuração. A conversa com ele é um elemento, não é prioritária. O que eu quero é evitar que essa biografia seja como os outros livros que se auto-intitulam biografias, mas que são entrevistas. Folha - Qual o melhor livro sobre Fidel até agora? Furiati - O melhor livro sobre Fidel até hoje, para mim, é, apesar dos defeitos, o de Tad Szulc (jornalista polonês naturalizado norte-americano, que escreveu "Fidel Castro - Um Retrato Crítico", em 1986). É o mais abrangente, mas tem muitos defeitos, como o fato de não ter muitos detalhes sobre a infância de Fidel, por exemplo.
Folha - E o seu, terá? Furiati - Sim. Farei capítulos bastante grandes sobre a infância e sobre a adolescência também. Um deles será dedicado apenas ao nascimento de Fidel. Descobri que ele não nasceu em 1926, como diz sua certidão de nascimento. Com a família dele soube que ele estava adiantado nos estudos e precisava entrar no que hoje nós chamamos de segundo grau. Então, o pai dele, amigo de um juiz, retificou a certidão anterior e conseguiu mudar o ano, dizendo que ele era de 1926, quando ele nasceu em 1927. Folha - O que será prioritário no livro. O público ou o privado? Furiati - Eu intercalo. Vou jogando com uma cozinha do público com o privado, que muda de tempero ao longo do tempo. Até o final dos anos 60, que é quando Fidel se projeta efetivamente como um líder mundial, o lado privado fala muito mais dele do que seu lado público. Mas é muito mais difícil desconectar o público do privado quando ele se transforma efetivamente no estadista, até porque sua vida pessoal fica bem mais reservada. É um grande diferencial de meu livro. Quase tudo o que já foi dito sobre o lado pessoal dele é incompleto ou desinformado. Folha - Como é biografar alguém vivo? Furiati - A ameaça da morte do Fidel é um elemento dramatúrgico da minha investigação. A ameaça da morte está escrita lá no primeiro capítulo, quando eu falo sobre os atentados a Fidel. Folha - Quantos ele sofreu? Furiati - O próprio Fidel diz que sofreu cerca de 300 atentados. Muitos em Cuba dizem que foram mais. O problema é que muitas vezes se contabiliza também os planos não executados. Folha - Onde termina o livro? Furiati - Pára na visita do papa, quando João Paulo 2º começou a falar de globalização e solidariedade. Aí, o Fidel começou a desenvolver outra vez aquele mesmo pensamento que ele tinha nos anos 80 sobre a dívida externa, a dependência e uma nova ordem internacional. Ele não elabora nenhum pensamento que não tenha uma conexão imediata com algo que ele fez ou está querendo fazer. Folha - E o que ele quer fazer? Furiati - Creio que ele está tentando reelaborar um pensamento para o mundo. Está elaborando a teoria da globalização outra vez. O livro fecha com uma abertura. É a biografia de alguém vivo, mas com uma grande porta que ele está abrindo outra vez. Folha - E a sra. acredita em uma revolução dentro da revolução? Furiati - Acho muito difícil hoje em dia fazer uma revolução, embora ele gostasse. Penso que Fidel sabe que é muito difícil reverter a crise mundial. Mas não acho que ele pensa que chegamos ao fim da história. Sinal disso é que ele está repensando a constituição do sistema internacional de trocas econômicas e políticas. Folha - Os recentes elogios ao presidente Fernando Henrique fazem parte dessa nova ordem? Furiati - Creio que ele considera o Fernando Henrique como parte desse grande diálogo atual. É uma espécie de troca de figurinhas de dois caras que jogam bem no ataque. Acho que um passou a bola para o outro, o que é importante. Folha - De toda essa busca nos arquivos de Fidel o que encontrou de mais interessante? Furiati - Em profundidade, só posso explicar no livro. Mas adianto que descobri coisas interessantes sobre a relação de Fidel com o Carlos Marighela, por exemplo, que é pouco conhecida no Brasil. A postura de Fidel relativa a movimentos de luta armada na América Latina sempre foi muito interessante. Já no ano de 1959 ele estava arquitetando cooperação com grupos assim. Quase todos dizem que foi o Che quem começou, mas foi Fidel quem deu início a essa revolução. Che foi um braço importante desse corpo. Fidel é a cabeça. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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