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Notícia de Pau Vermelho
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
Viajante que acaba de chegar
de Pau Vermelho convidou-me
para jantar. Estranhei as duas
coisas: o convite e o fato de ele
ter chegado de um lugar do qual
nunca tinha ouvido falar. Mesmo assim, nada tendo a fazer
numa dessas noites de calor e
tédio, lá fui eu degustar uma lagosta grelhada e as novidades
que ele trazia, fosse lá de onde
fosse. Se Paris vale uma missa,
uma boa lagosta grelhada com
molho de manteiga queimada
vale notícias até de Pirapora.
Fiquei sabendo que, naquele
país, o grande perigo da situação atual reside no fato de estarem todos do mesmo lado
-coisa rara na história de Pau
Vermelho, onde se discute até
mesmo a confiabilidade dos cemitérios. Numa terra em que há
cemitérios que não merecem a
confiança de seus habitantes, os
políticos e governantes são suspeitos de corrupção até mesmo
quando dizem "bom dia" ou
aprovam moção de solidariedade aos desabrigados de um terremoto na Tailândia.
Daí a perplexidade que inquieta os analistas dos fastos
pauvermelhenses. Todos agora
concordam com as reformas de
que o país necessita. Sem elas, a
fome, a peste e a guerra devastarão montes e vales do imenso
e verdejante território que o hino local considera o mais dadivoso da face da Terra.
E para manter bem viva a
chama reformista, os liberais se
aliam aos conservadores, e os
conservadores, conservando a
cara de pau própria do ofício,
admitem liberalidades no orçamento nacional desde que em
proveito das reformas.
O presidente da República é
um intelectual arejado de
idéias -pois não tem idéia alguma a respeito de nada, daí
que tudo o que pensa e faz é arejadíssimo. Torna-se precioso e
útil a todas as manobras arquitetadas pela infatigável classe
dos fazedores de manobras em
Pau Vermelho. Qualquer esquema que se faça para tudo continuar como antes, havendo ou
não reformas, o primeiro aliado
natural a surgir nas especulações é o próprio presidente da
República. Desde que lhe garantam a continuidade no poder, ele topa qualquer esquema
e se empenha em qualquer reforma.
As Forças Armadas mantêm a
ordem pública e a paz espiritual
do povo. Há em Pau Vermelho
diversas forças: as Armadas
propriamente ditas, as Ocultas
e as Vivas da Nacionalidade. As
Forças Vivas da Nacionalidade
incluem os parlamentares, os
intelectuais, o alto clero, as donas de casa e as associações de
pais de família. As Ocultas de
tempo em tempo defenestram
um presidente.
É por meio da imprensa que os
chefes militares, os políticos, os
economistas e os sindicatos sabem de que lado estão. Isso se
deve à pujança e ao tirocínio
dos formadores de opinião, que
são muitos, mas não bastantes
em Pau Vermelho. E como a
opinião tende a ser uma só, todos se dão por satisfeitos porque
os bem informados não se diferenciam dos mal informados, e
todos sabem de tudo, mas só publicam o que interessa ao futuro
e à glória do país. Não houvesse
imprensa livre em Pau Vermelho, a confusão seria bem
maior, pois ninguém saberia de
que lado realmente está.
E, quando a confusão ameaça
aumentar, falam em caos. Aí todo mundo se alia novamente, e
os reacionários viram revolucionários, e os revolucionários
se transformam em reacionários. Graças a Deus e a um famoso acadêmico responsável
pelo dicionário oficial do país,
ninguém liga muito para as palavras em Pau Vermelho.
Assim, pelo menos a cada mês
são praticadas as famosas crises
que aumentam os impulsos telefônicos, as informações privilegiadas e a expectativa de novas e virulentas reformas. A
classe política, os empresários,
os corretores da Bolsa de Valores e os jornalistas entram em
vigília cívica.
Vigília cívica é uma noitada
com notícias plantadas, boatos
tecnicamente espalhados, apostas sobre os escores das votações
no Congresso e, como ninguém
é de ferro, algum uísque e pedaços triangulares de pizza. No
fundo, resume-se a um esporte
muito bem praticado pelos profissionais do setor, pois todos
acabam ganhando um salário a
mais, a título de horas extras.
Aliás, todas as horas tendem a
ser extras em Pau Vermelho,
pois tudo que ali acontece de tal
forma é extraordinário que não
existem horas ordinárias, a não
ser as dedicadas aos comunicados oficiais do porta- voz, que
ordinariamente garante que
nada de extraordinário ocorre
no pais.
Os técnicos, os economistas, os
maiores amigos do presidente
(todos os amigos do presidente
têm em comum o fato de serem
os maiores) e os colunistas aliados são considerados a parte sadia da nação. Eles explicam que
tudo vai bem e provam por a
mais bê que o país tende à superação dos entraves que obstaculizam seu progresso.
Daí que todo mundo tende
mesmo é à riqueza em Pau Vermelho, pois o rico de hoje será
mais rico amanhã, e o pobre de
hoje, ficando mais pobre a cada
dia que passa, aumenta consideravelmente a riqueza dos ricos, curiosa operação que em
Pau Vermelho chamam de "distribuição de renda".
Então chega a noite, e aí o país
progride: aumenta a população, aumenta o débito fiscal, e
aumenta a dívida externa.
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