São Paulo, sexta, 8 de janeiro de 1999

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CINEMA - ESTRÉIAS
"Da Magia à Sedução' reproduz o "papel feminino'

Divulgação
As atrizes Nicole Kidman (esq.) e Sandra Bullock, que fazem bruxas no filme "Da Magia à Sedução"


BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha

Não há maior pleonasmo do que dizer que Hollywood funciona pelas leis do mercado. Daí "Da Magia à Sedução" pode muito bem ser incluído, como produto exemplar, no capítulo "filmes para mulheres" de um hipotético manual para produtores.
Desde "Telma e Louise", passando pelo "Clube das Desquitadas", Hollywood vem tentando vender uma imagem de compensação feminina, em que as mulheres possam não apenas se reconhecer, mas, ao mesmo tempo, se salvar do poder dos homens, resistir e até achincalhá-lo. Também não é de hoje que a figura das bruxas é cultuada como um bastião das feministas americanas, a magia como única reação ao domínio masculino.
"Da Magia à Sedução" é, assim, uma espécie de poção mágica mercadológica: algo na linha de "Thelma e Louise", mas com bruxas como protagonistas e final feliz; uma espécie de "Como Água Para Chocolate" sem legenda para americanas.
Duas irmãs órfãs são criadas por duas tias solteironas. Chegando à idade adulta, dão-se conta não apenas de que são bruxas, como todas as mulheres da família Owens, mas que estão condenadas à maldição familiar: os homens por quem se apaixonam acabam morrendo, razão pela qual todas as Owens têm de viver sozinhas.
Depois de inúmeras peripécias -no geral, cômicas- tentando escapar ao preconceito e ao mundo violento dos homens, a maldição será desfeita com a aparição do príncipe encantado, na verdade um delegado sulista, que uma das irmãs esperava desde a infância.
Embora à primeira vista tudo pareça muito bonitinho, pouco a pouco fica claro que "Da Magia à Sedução" não passa de mais uma representação de velhos clichês femininos sob a fórmula de fábula: as bruxas como reafirmação de uma condição histérica.
O filme inteiro é mais uma alegoria da falta, já que tudo gira em torno de uma dependência insuportável e obsessiva dos homens. É como se a identidade das mulheres só pudesse se configurar por reação.
Ao final, há uma cena de solidariedade feminina em que até as leigas da cidade, antes apavoradas, terminam participando de um ritual de exorcismo para salvar uma colega do espírito maligno de um homem que a atormenta.
E é a partir dessa solidariedade que se opera uma espécie de "milagre" social em que as bruxas passam a ser aceitas pela comunidade.
É a catarse feminina produzida por Hollywood: sob a promessa de que no mundo da fantasia a mulher poderá por fim encontrar uma identidade própria e o amor, livre da opressão masculina, o cinema americano apenas reproduz, com o disfarce da magia, o papel feminino como reflexo reativo do mundo que o engendrou.
²

Filme: Da Magia à Sedução
Produção: EUA, 1998
Direção: Griffin Dunne
Com: Sandra Bullock e Nicole Kidman
Quando: a partir de hoje, nos cines Olido 2, Eldorado 1, Center Penha 3 e circuito




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