São Paulo, sexta, 8 de janeiro de 1999

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"A MAÇÃ"
Obra iraniana retoma mito do gênio teen

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Desde Rimbaud, vivemos à espera de gênios adolescentes. Com "A Maçã", Samira Makhmalbaf -18 anos quando realizou o filme- oferece a mais recente comprovação de que essa é uma hipótese estatisticamente remota.
Por influência de seu pai ou não -Mohsen Makhmalbaf é um dos principais cineastas iranianos da atualidade, diretor de filmes como "Gabbeh" e "Um Instante de Inocência"-, "A Maçã" chegou ao Festival de Cannes de 1998, de onde saiu com uma reputação mais que razoável.
² Roteiro
O melhor do filme é, de longe, seu roteiro, baseado em um fato real: duas meninas com pouco mais de dez anos, habitantes de uma localidade pobre de Teerã, filhas de uma mãe cega, viviam fechadas em sua casa desde o nascimento. Só depois que vizinhas chamam a atenção do serviço social para o fato, é que as meninas começam a fazer suas primeiras experiências no mundo exterior.
O ponto central do roteiro, e que o vincula a Makhmalbaf-pai, é a teia que realidade e ficção vão tecendo a partir do momento em que se encontram. Fato e filme, história e representação têm demonstrado um potencial de sugestão e encantamento grandes nos filmes de Mohsen.
Não são meras dramatizações de episódios reais, como nos "docudramas". Exemplo: as duas meninas que fazem os papéis das jovens prisioneiras são as mesmas que viveram o drama na vida real.
² Telefilme
Não se trata apenas de agregar realidade ao filme, identificando personagens a protagonistas. O fato e sua representação defrontam e se questionam continuamente
Em Samira, esse procedimento é usado estranhamente. Ora as meninas de "A Maçã" parecem saídas de um filme de Makhmalbaf-pai, ora de um telefilme.
Há momentos em que pressentimos a ligação tortuosa entre coisa e signo, tão frequente nos cineastas do Irã. Em outros, limitamo-nos a acompanhar a metáfora mais ou menos óbvia indicada pela história: as crianças que crescem presas em uma casa, sem contato com o mundo exterior, são, em certa medida, o próprio Irã -um país que, após anos de fechamento, desde a revolução xiita dos anos 70, hoje deve aprender a tatear o mundo, conhecendo-se a si mesmo e aos outros ao mesmo tempo.
Em suma, Samira também tateia, num trabalho a que as incertezas do estilo dispersam por vezes o poder de sugestão do roteiro, mas que nunca é indigesto, desagradável ou pretensioso (como "A Eternidade e um Dia", digamos, do grego Theo Angelopoulos).
²
Filme: A Maçã Produção: Irã/França, 1998 Direção: Samira Makhmalbaf Com: Massoumeh Naderi e Zahra Naderi, entre outros Quando: estréia hoje, no Espaço Unibanco 1


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