São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
Os 2.000 veículos que passavam pela Rebouças nos horários de pico são agora obrigados a cruzar um trecho da antes bucólica Sampaio Vidal, no Jardim Europa


A rua dentro de casa

"Ai, que desespero!", reagiu a empresária Adriana Gelpi, moradora da rua Sampaio Vidal, no Jardim Europa, ao receber a notícia, na semana passada, de que acabara de surgir a primeira vendedora ambulante na via. Francisca Constância, 53, que tinha sua barraquinha de doces e refrigerantes na avenida Rebouças, mudou-se para a Sampaio porque os pontos de ônibus, e a clientela, também foram para lá.

Em obras desde o início de janeiro, a Sampaio Vidal, que antes era uma rua bucólica, onde era possível, segundo a moradora Eliane Kuperman, "deitar no meio da rua", virou de cabeça para baixo. Na semana passada, com a volta às aulas e as chuvas, as coisas pioraram.

Pela rua, para onde foi desviado o trânsito da Rebouças, passaram 2.000 carros no horário de pico e ônibus de 32 linhas diferentes. Na quarta, no sinal da esquina da rua Maria Carolina, quase 20 motos se aglomeravam quando o farol ficava vermelho. Na hora do rush, um Fiesta bateu numa delas e derrubou o segurança Elton Lemos, que foi socorrido por uma ambulância.

Dentro das casas, a situação também mudou. "Parece que os ônibus estão dentro do meu apartamento", diz Márcia Toniollo, gerente da grife Raya de Goeye. Ela mora em um dos prédios mais charmosos da rua, o edifício Rebeca -mas está procurando apartamento em outra rua. Até o morador Eduardo Suplicy, senador e ex-marido da prefeita Marta Suplicy, admite o incômodo. "Meu sono tem estado um pouco mais agitado", diz.

Na tarde de quarta-feira, alguns moradores se reuniram para dividir seus problemas. A arquiteta Eliane Kuperman contou que já está destruindo o jardim de sua casa para abrir uma segunda vaga de garagem. É que ela deixava um dos carros na rua, na maior tranqüilidade. Hoje, o estacionamento na via é proibido, para não atrapalhar o fluxo de carros. Eliane também colocou cortinas nas janelas. "Os passageiros dos ônibus davam tchauzinho para a gente", afirma.

A psicóloga Antonella Montesoro, 39, mudou com o marido para um quartinho no fundo de sua própria casa. Eles não conseguiam dormir por causa do barulho. A dona-de-casa Gisela Imperatrice optou por um protetor auricular. "Não escuto nada que meu marido fala", diz. A Sajep (Sociedade dos Amigos dos Jardins Europa e Paulistano) pediu na Justiça a paralisação da obra. Os moradores adotaram até o hábito do índio Juruna, que gravava as autoridades para depois cobrar delas a realização de promessas. Eles levam gravadores nas reuniões com a Subprefeitura de Pinheiros e a Emurb.

Instalada no número 886 da Sampaio Vidal há 38 anos, a rotisserie Frangão, que vende aves, pratos prontos e enlatados, foi colocada à venda, no ano passado, por R$ 120 mil. No fim do ano, quando funcionários da prefeitura começaram a pintar faixas para a mudança de trânsito e o início das obras, o dono, Pedro Martins, 67, baixou o preço para R$ 90 mil. Diz que teve seis propostas. Com o desvio do trânsito, todos desapareceram. Como não pode mais estacionar sua caminhonete na rua, resolveu colocar o carro dentro do Frangão mesmo. "O movimento caiu 70%. Estou prestes a fechar."

O bar do Léo, de Leonel Nunes, 47, vendia três bules de café pela manhã. "Agora faço um e sobra", diz ele. Na tarde de terça, as bandejas de salgados do boteco estavam cheias. "Antigamente, nessa hora, já estava tudo vendido." Os clientes sumiram porque não podem mais estacionar por ali, e Nunes já demitiu um balconista.

Há, porém, o coro dos contentes, estabelecimentos comerciais que comemoram a confusão. O restaurante Mercearia do Conde conseguiu ter mais lucro. "No fim da tarde, quando há muito trânsito, as pessoas acabam parando mais por aqui", diz o gerente Fabiano Galhardo.

A antiquária Juliana Benfatti, que acabou de instalar sua loja na Sampaio, reclama do barulho, mas está feliz. "Foi um privilégio. Agora todo mundo vai conhecer o novo endereço."

Quando algum morador quer se lembrar dos velhos tempos de paz, caminha até o começo da rua -o trecho que absorveu o trânsito da Rebouças acaba antes dali. O DJ Clemente Napolitano, por exemplo, não se queixa da mudança -só da proibição de estacionar carros na rua. Ele conta que, há duas semanas, precisou contratar um serviço de manobristas para receber 40 amigos em casa.

E-mail: bergamo@folhasp.com.br COM ALVARO LEME (REPORTAGEM) E CLEO GUIMARÃES




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