|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Comida
São Paulo por Bourdain
Autor do best-seller "Cozinha Confidencial", o chef Anthony Bourdain visita botecos e o Mercadão e rejeita os restaurantes italianos; cidade será tema do programa que ele apresenta na TV paga
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
Anthony Bourdain está de
volta a São Paulo. Sim, aquele
chef que revelou o lado negro
da cozinha dos restaurantes no
livro "Cozinha Confidencial". E
que hoje viaja o mundo com
uma equipe de TV para realizar
o programa "Sem Reservas"
(Discovery Travel & Living,
transmitido pela TVA e Sky).
São Paulo é um dos seus próximos temas, e persegui-lo pela
cidade ajuda a conhecer um
pouco deste chef best-seller,
sem estrelas, mas com um
enorme público.
Como chef, Bourdain ostenta
hoje apenas o título, agraciado
pelos donos do restaurante onde "dá conselhos", o Les Halles,
de Nova York. "Viajo dez meses
por ano, não entro mais na cozinha; mas eles me chamam de
seu chef-executivo, tudo bem",
diz ele, que como tal assina o livro de receitas do restaurante.
Mais do que chef ou apresentador de TV, ele é um ótimo escritor e ficcionista (especialmente nos seus livros de não-ficção...). Foi a impressão que
tive quando anos atrás li seu
"Cozinha Confidencial". Aquelas histórias negras de seu passado -tipo cozinheiros sujos e
ensopados de heroína enfiando
restos de comida no patê para o
dia seguinte- não me pareceram ser uma completa mentira.
Nem uma verdade cristalina.
Parecia aquela ficção que vem
com um alerta: "baseado em fatos reais". E muito engraçada.
São Paulo sem cantinas
É a fórmula que deve prevalecer também neste episódio
paulistano de seu programa
(deve ir ao ar no Brasil em julho). O que ele escolheu mostrar não é necessariamente um
retrato da gastronomia paulistana. Ele tirou uma noite para
gravar uma escola de samba
(ops, que cidade é esta mesmo?), mas, entre os restaurantes que visitou, não incluiu nenhum italiano. Por quê? "Vou
gravar na Toscana, lá terei boas
receitas; e minha namorada
italiana não me deixa fazer nem
macarrão em casa, então melhor mostrar o autêntico", diz.
Uma grave distorção se fosse
um retrato de São Paulo. Mas
ele promete que não é esse o
objetivo: "Eu busco mostrar a
minha visão de cada cidade,
aquilo que me chama a atenção,
ou aquilo que eu conheci; não
tenho a pretensão de mostrar
tudo". A São Paulo do "Sem Reserva" não será a cidade real,
mas a cidade de Anthony. Ficção baseada em fatos reais.
Essa visão inclui os testículos
de galo do bar Valadares (faz
parte do personagem Bourdain
comer nos pés-sujos e tomar
cerveja no gargalo mesmo em
garrafas de 600 ml); o malfadado sanduíche de mortadela do
Mercadão (o que diria a namorada italiana se soubesse que
ele comeu mortadela frita na
chapa?); comida caseira feita
por uma cozinheira mineira; o
japonês Hinodê, na Liberdade;
churrasco depois de uma pelada num campo de futebol; peixes comidos no litoral, preparados no restaurante Manacá
(em Camburizinho); café da
manhã com pão na chapa. No
meio disso, vôo de helicóptero
para mostrar o trânsito e as favelas, passeio a Osasco para
mostrar grafiteiros, banhos de
mar. E muita caipirinha.
O personagem criado por
Bourdain para si próprio
-meio junkie, meio bêbado,
meio avesso a comidas sofisticadas ("não quero comer onde
o hotel me recomenda, quero
comer onde os funcionários do
hotel vão")- é impagável e torna seu programa um bom entretenimento. Ele não é daqueles que fica fazendo piadinhas
sem graça (como por exemplo o
apresentador Ian Wright do
"Fim de Semana VIP"); não é o
cozinheiro sério de outras séries (pois nem sequer cozinha);
tampouco é o cozinheiro caricato de "reality show" (como o
Gordon Ramsay de "Hell's Kitchen" -ele gosta de ver, mas
sabe que não é bem assim; prefere "Top Chef", "é mais realista"). Bourdain age como um turista avoado e brincalhão, antenado na comida e na bebida.
Mas, em seus últimos livros e
visto de perto, essa imagem
vem bem menos carregada; ali
ele admite também admirar a
cozinha mais sofisticada. Se você perguntar o que ele gosta de
cozinhar em casa, é o personagem quem responde: "Não cozinho, peço um delivery do chinês da esquina".
Mas na hora de dizer um
grande chef, não hesita em citar
o sofisticado Thomas Keller
(do French Laundry, na Califórnia) -"o melhor". Um muito
importante? Ferran Adrià, que
mudou seu modo de ver a cozinha. Uma grande refeição? No
japonês Masa (Nova York), que
cobra US$ 350 (fora bebidas,
taxas etc.) dos 13 únicos clientes que serve por noite ("a refeição mais pornográfica"). Debaixo do personagem aventureiro e escrachado está um cara
que sabe se cuidar muito bem.
Texto Anterior: Nina Horta: Empório dos imigrantes Próximo Texto: Morre pianista Pedrinho Mattar, 70 Índice
|