São Paulo, quinta-feira, 08 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comida

São Paulo por Bourdain

Autor do best-seller "Cozinha Confidencial", o chef Anthony Bourdain visita botecos e o Mercadão e rejeita os restaurantes italianos; cidade será tema do programa que ele apresenta na TV paga

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Anthony Bourdain está de volta a São Paulo. Sim, aquele chef que revelou o lado negro da cozinha dos restaurantes no livro "Cozinha Confidencial". E que hoje viaja o mundo com uma equipe de TV para realizar o programa "Sem Reservas" (Discovery Travel & Living, transmitido pela TVA e Sky).
São Paulo é um dos seus próximos temas, e persegui-lo pela cidade ajuda a conhecer um pouco deste chef best-seller, sem estrelas, mas com um enorme público.
Como chef, Bourdain ostenta hoje apenas o título, agraciado pelos donos do restaurante onde "dá conselhos", o Les Halles, de Nova York. "Viajo dez meses por ano, não entro mais na cozinha; mas eles me chamam de seu chef-executivo, tudo bem", diz ele, que como tal assina o livro de receitas do restaurante.
Mais do que chef ou apresentador de TV, ele é um ótimo escritor e ficcionista (especialmente nos seus livros de não-ficção...). Foi a impressão que tive quando anos atrás li seu "Cozinha Confidencial". Aquelas histórias negras de seu passado -tipo cozinheiros sujos e ensopados de heroína enfiando restos de comida no patê para o dia seguinte- não me pareceram ser uma completa mentira. Nem uma verdade cristalina. Parecia aquela ficção que vem com um alerta: "baseado em fatos reais". E muito engraçada.

São Paulo sem cantinas
É a fórmula que deve prevalecer também neste episódio paulistano de seu programa (deve ir ao ar no Brasil em julho). O que ele escolheu mostrar não é necessariamente um retrato da gastronomia paulistana. Ele tirou uma noite para gravar uma escola de samba (ops, que cidade é esta mesmo?), mas, entre os restaurantes que visitou, não incluiu nenhum italiano. Por quê? "Vou gravar na Toscana, lá terei boas receitas; e minha namorada italiana não me deixa fazer nem macarrão em casa, então melhor mostrar o autêntico", diz.
Uma grave distorção se fosse um retrato de São Paulo. Mas ele promete que não é esse o objetivo: "Eu busco mostrar a minha visão de cada cidade, aquilo que me chama a atenção, ou aquilo que eu conheci; não tenho a pretensão de mostrar tudo". A São Paulo do "Sem Reserva" não será a cidade real, mas a cidade de Anthony. Ficção baseada em fatos reais.
Essa visão inclui os testículos de galo do bar Valadares (faz parte do personagem Bourdain comer nos pés-sujos e tomar cerveja no gargalo mesmo em garrafas de 600 ml); o malfadado sanduíche de mortadela do Mercadão (o que diria a namorada italiana se soubesse que ele comeu mortadela frita na chapa?); comida caseira feita por uma cozinheira mineira; o japonês Hinodê, na Liberdade; churrasco depois de uma pelada num campo de futebol; peixes comidos no litoral, preparados no restaurante Manacá (em Camburizinho); café da manhã com pão na chapa. No meio disso, vôo de helicóptero para mostrar o trânsito e as favelas, passeio a Osasco para mostrar grafiteiros, banhos de mar. E muita caipirinha.
O personagem criado por Bourdain para si próprio -meio junkie, meio bêbado, meio avesso a comidas sofisticadas ("não quero comer onde o hotel me recomenda, quero comer onde os funcionários do hotel vão")- é impagável e torna seu programa um bom entretenimento. Ele não é daqueles que fica fazendo piadinhas sem graça (como por exemplo o apresentador Ian Wright do "Fim de Semana VIP"); não é o cozinheiro sério de outras séries (pois nem sequer cozinha); tampouco é o cozinheiro caricato de "reality show" (como o Gordon Ramsay de "Hell's Kitchen" -ele gosta de ver, mas sabe que não é bem assim; prefere "Top Chef", "é mais realista"). Bourdain age como um turista avoado e brincalhão, antenado na comida e na bebida.
Mas, em seus últimos livros e visto de perto, essa imagem vem bem menos carregada; ali ele admite também admirar a cozinha mais sofisticada. Se você perguntar o que ele gosta de cozinhar em casa, é o personagem quem responde: "Não cozinho, peço um delivery do chinês da esquina".
Mas na hora de dizer um grande chef, não hesita em citar o sofisticado Thomas Keller (do French Laundry, na Califórnia) -"o melhor". Um muito importante? Ferran Adrià, que mudou seu modo de ver a cozinha. Uma grande refeição? No japonês Masa (Nova York), que cobra US$ 350 (fora bebidas, taxas etc.) dos 13 únicos clientes que serve por noite ("a refeição mais pornográfica"). Debaixo do personagem aventureiro e escrachado está um cara que sabe se cuidar muito bem.


Texto Anterior: Nina Horta: Empório dos imigrantes
Próximo Texto: Morre pianista Pedrinho Mattar, 70
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.