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MÚSICA
Uma das mais tradicionais lojas do gênero da cidade encerra atividades
Hi-Fi fecha após 45 anos vendendo discos a SP
DA REPORTAGEM LOCAL
Não tem nada a ver com a crise
por que passa toda a indústria fonográfica nacional, diz o proprietário, Hélcio Serrano. Mas, após
45 anos de funcionamento, a Hi-Fi, talvez a mais tradicional loja de
discos de São Paulo, acaba de fechar suas portas para sempre.
"A idéia de sair se deve ao fato
de que estou coroa e quero aproveitar a vida. Vou emagrecer num
spa e depois vou para Miami, vou
viajar de navio pela Ásia", simplifica Serrano, 67 anos.
"Quis me livrar porque não se
consegue manter um negócio
sem a personalidade do dono. A
característica da loja, de sempre
manter uma linha de música de
qualidade, quem dava era eu."
Ele nega relações entre o fechamento da Hi-Fi (que viveu sua
época áurea na rua Augusta, chegou a ter várias filiais e se mantinha no shopping Iguatemi) e de
qualquer suposta crise do que
chama de "música de qualidade":
"Sempre tive para vender todo
tipo de porcaria. O que não admitia era que as porcarias tocassem
na loja. Assim pude me tornar o
mais antigo no mercado e manter
três ou quatro gerações de consumidores qualificados. Mas agora a
música virou merda. Não se faz
mais nada, é tudo uma caca."
Não economiza críticas às
atuais estratégias da indústria:
"No Brasil, dos anos 80 para cá,
tentamos copiar o esquema americano descartável. Tudo ficou fabricado, as gravadoras passaram
a pagar para colocar os artistas na
TV. Axé, pagode ou caipira bossa
nova, tudo ficou igual. A música
está muito comestível, digestiva".
Crise
A Hi-Fi, que apareceu na sequência imediata do LP de vinil,
fecha as portas no mesmo momento em que seu sucessor, o CD,
é abalado por fatores como a pirataria e o avanço da circulação de
música pela internet.
Admitindo o paralelo ("acho
que o disco está acabando"), Serrano no entanto segue rebatendo
qualquer paralelo entre o fim da
Hi-Fi e os maus lençóis que cobrem a indústria de disco.
"Meu repertório foi sempre
muito escolhido. Eu importava,
pegava coisas que ninguém podia
imaginar, e isso sempre segurou a
loja muito bem. O que acontece é
que meu cliente rico ficou novo
rico, mas não aprendeu nada,
continua vendo o Ratinho."
Sobre os apuros que vivem os
lojistas: "As pessoas reclamam do
fim da Hi-Fi porque é uma marca
famosa, mas isso está acontecendo com todo mundo. Só quando
sequestram a filha do Silvio Santos alguém vem dizer que é preciso acabar com os bandidos".
"Estou fechando espontaneamente, mas olhando em geral vejo que os pontos de venda fecharam. Havia quatro lojas no shopping Iguatemi, mas no final só ficou a minha. As gravadoras desprestigiaram totalmente os pontos de venda, entregaram para os
grandes magazines, que não entendem nada de disco. É política
de lucro imediato, de suicídio."
Embrenha-se, enfim, no tema
pirataria, que tem colaborado para o fechamento de cadeias de lojas Brasil afora: "Sempre achei isso muito lógico. Quem ganha R$
300 por mês não vai comprar disco com o preço em vigor. Pelo poder aquisitivo do brasileiro, o preço certo é o da rua. A pirataria e a
dengue são, para mim, a mesma
coisa. As empresas e o governo
não têm a menor idéia da real situação social do país".
"Não posso provar, mas para
mim quem começou a pirataria
foi a própria indústria. Se eles quisessem, isso parava, era só passar
todo dia recolhendo CD pirata."
Sem querer mostrar-se nostálgico, Serrano relata seu momento
de glória nos 45 anos de vida com
o disco. "Quando surgiram os
Beatles, fiquei doidão e fui à EMI,
que então era Odeon, para pedir
que lançassem o grupo no Brasil.
Me olharam com aquele jeito blasé, disseram que ia demorar uns
cinco anos, que havia muita coisa
na fila", conta.
"Levantei a bandeira dos Beatles. As rádios vinham à minha loja atrás dos discos, porque não tinham como tocar. Um dia, muitos anos mais tarde, recebi de presente uma cesta cheia de maçãs
imensas, lindas, geladas. Foi mandada por um diretor da EMI, que
devia ser office boy quando viu
esnobarem minha sugestão. Até
hoje me arrepio, foi o maior presente da minha vida", conclui.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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