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CRÍTICA
Venturi radicaliza teatro para chegar ao cinema
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Latitude Zero" é uma experiência radical, que explora os limites entre cinema e teatro. Antes
de examinar o modo como o diretor Toni Venturi realiza isso, vamos à inevitável sinopse.
Lena (Débora Duboc), dona de
um restaurante de beira de estrada próximo a um garimpo abandonado no Brasil central, tem sua
rotina solitária quebrada com a
chegada de um estranho, o ex-PM
Vilela (Claudio Jaborandy). Um
personagem oculto, mas opressivo, os une. O coronel da PM que
engravidou e abandonou Lena
naquele fim de mundo é o mesmo
que mandou para lá seu subordinado Vilela, depois que este cometeu um assassinato.
A convivência forçada desses
dois exilados vai alternar momentos de afeto e aspereza e será pautada por uma crescente tensão,
sobretudo depois do nascimento
do bebê de Lena. Ao transpor essa
situação para as telas, Venturi poderia esconder a origem teatral do
texto criando personagens secundários, inserindo flashbacks, pontuando a ação com pequenos
eventos dramáticos ou cômicos
etc. Por sorte, não fez nada disso.
Ao contrário: buscou o cinema
exacerbando o teatro ou, antes, os
paradoxos entre as duas formas
de representação. O primeiro paradoxo é espacial: um drama
claustrofóbico encenado na
imensidão deserta do Planalto
Central. A escolha feliz da locação
e a competência da direção de arte
contribuem para o contraponto
entre os seres e a paisagem: a terra
exaurida como imagem das almas
devastadas, e vice-versa.
O segundo paradoxo é da própria encenação. Diálogos naturalistas emitidos (sobretudo por
Débora Duboc) numa dicção teatral, gestos cotidianos ritualizados
como num palco, recusa da decupagem clássica e adoção de planos
longos que privilegiam o jogo de
cena em tempo real -tudo isso
configura uma linguagem estranha, híbrida e incômoda.
Há uma cena que explicita
exemplarmente esse jogo entre os
dois meios. No amplo salão iluminado por velas, Lena começa a
gritar e a se debater. Até aí, puro
teatro. Mas a câmera se move lentamente para o lado, deixando a
atriz fora de cena e fixando-se por
um instante na parede, onde se
projetam suas sombras fantasmagóricas. Eis uma imagem essencialmente cinematográfica do desespero. Ao radicalizar o teatro,
Venturi chegou ao cinema.
Latitude Zero
Direção: Toni Venturi
Produção: Brasil, 2001
Com: Débora Duboc, Cláudio Jaborandy
Quando: a partir de hoje nos cines
Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex,
Metrô Santa Cruz e circuito
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