São Paulo, sexta-feira, 08 de março de 2002

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CRÍTICA

Venturi radicaliza teatro para chegar ao cinema

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Latitude Zero" é uma experiência radical, que explora os limites entre cinema e teatro. Antes de examinar o modo como o diretor Toni Venturi realiza isso, vamos à inevitável sinopse.
Lena (Débora Duboc), dona de um restaurante de beira de estrada próximo a um garimpo abandonado no Brasil central, tem sua rotina solitária quebrada com a chegada de um estranho, o ex-PM Vilela (Claudio Jaborandy). Um personagem oculto, mas opressivo, os une. O coronel da PM que engravidou e abandonou Lena naquele fim de mundo é o mesmo que mandou para lá seu subordinado Vilela, depois que este cometeu um assassinato.
A convivência forçada desses dois exilados vai alternar momentos de afeto e aspereza e será pautada por uma crescente tensão, sobretudo depois do nascimento do bebê de Lena. Ao transpor essa situação para as telas, Venturi poderia esconder a origem teatral do texto criando personagens secundários, inserindo flashbacks, pontuando a ação com pequenos eventos dramáticos ou cômicos etc. Por sorte, não fez nada disso.
Ao contrário: buscou o cinema exacerbando o teatro ou, antes, os paradoxos entre as duas formas de representação. O primeiro paradoxo é espacial: um drama claustrofóbico encenado na imensidão deserta do Planalto Central. A escolha feliz da locação e a competência da direção de arte contribuem para o contraponto entre os seres e a paisagem: a terra exaurida como imagem das almas devastadas, e vice-versa.
O segundo paradoxo é da própria encenação. Diálogos naturalistas emitidos (sobretudo por Débora Duboc) numa dicção teatral, gestos cotidianos ritualizados como num palco, recusa da decupagem clássica e adoção de planos longos que privilegiam o jogo de cena em tempo real -tudo isso configura uma linguagem estranha, híbrida e incômoda.
Há uma cena que explicita exemplarmente esse jogo entre os dois meios. No amplo salão iluminado por velas, Lena começa a gritar e a se debater. Até aí, puro teatro. Mas a câmera se move lentamente para o lado, deixando a atriz fora de cena e fixando-se por um instante na parede, onde se projetam suas sombras fantasmagóricas. Eis uma imagem essencialmente cinematográfica do desespero. Ao radicalizar o teatro, Venturi chegou ao cinema.


Latitude Zero    
Direção: Toni Venturi
Produção: Brasil, 2001
Com: Débora Duboc, Cláudio Jaborandy
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex, Metrô Santa Cruz e circuito


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