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"APÓS A RECONCILIAÇÃO"
Anne-Marie Miéville dirige longa e atua
Mulher de Godard tem fôlego próprio
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Sobre Anne-Marie Miéville
pesa, antes de tudo, o estigma
de ser "a mulher de Godard". Duplo estigma: primeiro, o de existir
à sombra do mais mitológico dos
cineastas vivos; segundo, o de fazer filmes de tão árida compreensão quanto os do marido.
"Após a Reconciliação" mostra
que Miéville não merece nem um
nem outro. Seu cinema tem pouco de Godard. A principal semelhança: certo modo de dispor a
música, a intromissão da tela preta em alguns momentos, interrompendo o fluxo das imagens.
A principal diferença: é um filme "com história" (parece propaganda de filmes pornôs), isto é,
começo, meio e fim praticamente
nessa ordem. Uma outra, nada secundária: se Godard é o cineasta
do improviso, Miéville trabalha
aqui com um texto claro, declamado, ao menos em aparência,
preparado previamente.
Quanto ao casal envolvido na
citada reconciliação, é composto
por ela mesma, Miéville, e Jean-Luc Godard. Pode ser em parte
mera questão de economia. Mas
quem garante que o ator Godard
não seja Godard em pessoa?
A indistinção que se estabelece
não é gratuita. Logo notamos que
o discurso dos personagens sobre
o amor não é senão isso: discurso.
"Após a Reconciliação" é, a rigor,
um filme sobre linguagem, sobre
a relação entre palavras e coisas.
Vem daí seu lado cinematográfico por excelência, não teatral. O
teatro nos coloca diante de palavras e pessoas. O cinema nem tanto. Existe entre as imagens das
pessoas e as pessoas propriamente ditas a mesma distância que entre as palavras e as coisas.
Tal distância é imperceptível,
mas intransponível. O Godard
que ali vemos não é o famoso Godard. Pode ser um ator, uma sombra, ou Robert. O filme pode ser
visto como a tentativa de expor o
mistério de cada ser: aquilo que o
separa dos demais e aquilo que o
leva ao encontro dos outros, o que
se comunica -ou não.
Como se a busca da reconciliação de que fala o título fosse menos a do casal do que aquela entre
o homem e as palavras. Como se
as palavras, desnaturadas num
mundo de imagens vazias, precisassem ser reencontradas.
Pensando bem, Anne-Marie
Miéville não está tão distante assim de seu marido ilustre. Mas
ninguém se engane, este não é um
filme "da mulher do Godard". Ou
por outra, a mulher do Godard,
bem moderna, tem fôlego próprio, e não é pequeno.
Após a Reconciliação
Après la Reconciliation
Direção: Anne-Marie Miéville
Produção: França, 2000
Com: Anne-Marie Miéville, Jean-Luc
Godard, Claude Perron, Jacques Spiesser
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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