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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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"CONTOS DISPERSOS - 1928-1951"

Histórias de Moravia buscam estilo

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alberto Moravia (1907-1990) é considerado um dos primeiros existencialistas da literatura ocidental. Ao contrário de Camus ou Sartre, esse rótulo não lhe foi afixado devido ao embasamento filosófico que os dois franceses usavam para explicar sua ficção. Se o italiano Moravia foi de fato existencialista, tornou-se um intuitivamente.
De fato, o trabalho de Moravia aborda com grande ênfase os temas que de alguma forma definem o existencialismo, ou seja, a importância da existência individual, da subjetividade, da liberdade que cada pessoa tem de escolher as suas alternativas e os conflitos decorrentes dessas escolhas.
Esse é o fio condutor de seus principais trabalhos e, como se pode verificar com a edição de "Contos Dispersos - 1928-1951", também dos menos conhecidos, como esses textos que o autor publicou em jornais nesse período e depois abandonou.
Apesar da sua importância para a literatura mundial, Moravia é mais conhecido no Brasil pelos filmes baseados em alguns dos seus romances mais famosos, como "O Conformista" (filmado por Bertolucci), "O Desprezo" (por Jean-Luc Godard) e "Os Indiferentes" (por Vittorio de Sica).
"Os Indiferentes" foi o primeiro livro de Moravia, posto à venda em 1929, com enorme êxito. Esse sucesso precoce, como ressalta o prefácio de "Contos Dispersos", parece ter confundido o jovem autor, que se assustou com a rejeição dos títulos seguintes e partiu para uma penosa busca de estilo e conteúdo diferenciados dali em diante.
Tal busca está refletida nesses contos, desiguais em qualidade. Isso dá ao livro um grande interesse arqueológico, mas ao mesmo tempo torna sua leitura por vezes cansativa e desgastante.
Em especial as primeiras histórias, que relatam explorações do interior dos personagens, são duras de acompanhar por causa de sua consistência excessivamente onírica, abusadamente metafórica e algo alucinada. Brutais são os relatos -mais jornalísticos do que fictícios- de visitas do autor a hospícios e prisões, onde certamente buscava material para compor personagens que posteriormente se veriam envoltos nas profundezas da miséria humana.
Os melhores momentos de "Contos Dispersos" vêm da série que Moravia (já um pseudônimo, desde que seu sobrenome real era Pincherle) assinou como de autoria de Pseudo para a "Gazetta del Popolo", entre 1941 e 1943, quando seus escritos estavam banidos pelo regime fascista.
São retratos individuais de pessoas, pintados com pinceladas vigorosas, mas com economia de detalhes, que revelam ao leitor a essência da alma do personagem e lhe permitem refletir sobre si próprio. Alguns desses contos são verdadeiras revelações de mistérios de personalidade. Como os notáveis "O Misantropo", "Os Títeres", "A Burla" ou "A Família Verderame".
Moravia não tem (como é típico, aliás, na ficção existencialista) intenções pedagógicas, muito menos moralistas. Apenas descreve aparentes excentricidades dos objetos de sua observação e, assim, compõe uma galeria de tipos os quais o leitor, de repente, se dá conta de serem talvez até corriqueiros em suas relações.
Como o menino que coleciona avidamente fantoches mas não lhes dá nenhuma utilidade até enjoar-se deles ou o homem que se entusiasma com qualquer pessoa nova que encontra para se decepcionar quando a conhece melhor a ponto de eliminá-la definitivamente de sua existência ou ainda o amigo heróico do jovem que aos poucos se revela só uma fraude.


CONTOS DISPERSOS - 1928-1951. Autor: Alberto Moravia. Editora: Bertrand Brasil. Preço: R$ 48 (406 págs).



Carlos Eduardo Lins da Silva, 49, é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"


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