|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"CONTOS DISPERSOS - 1928-1951"
Histórias de Moravia buscam estilo
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Alberto Moravia (1907-1990) é considerado um dos
primeiros existencialistas da literatura ocidental. Ao contrário de
Camus ou Sartre, esse rótulo não
lhe foi afixado devido ao embasamento filosófico que os dois franceses usavam para explicar sua
ficção. Se o italiano Moravia foi de
fato existencialista, tornou-se um
intuitivamente.
De fato, o trabalho de Moravia
aborda com grande ênfase os temas que de alguma forma definem o existencialismo, ou seja, a
importância da existência individual, da subjetividade, da liberdade que cada pessoa tem de escolher as suas alternativas e os conflitos decorrentes dessas escolhas.
Esse é o fio condutor de seus
principais trabalhos e, como se
pode verificar com a edição de
"Contos Dispersos - 1928-1951",
também dos menos conhecidos,
como esses textos que o autor publicou em jornais nesse período e
depois abandonou.
Apesar da sua importância para
a literatura mundial, Moravia é
mais conhecido no Brasil pelos filmes baseados em alguns dos seus
romances mais famosos, como
"O Conformista" (filmado por
Bertolucci), "O Desprezo" (por
Jean-Luc Godard) e "Os Indiferentes" (por Vittorio de Sica).
"Os Indiferentes" foi o primeiro
livro de Moravia, posto à venda
em 1929, com enorme êxito. Esse
sucesso precoce, como ressalta o
prefácio de "Contos Dispersos",
parece ter confundido o jovem
autor, que se assustou com a rejeição dos títulos seguintes e partiu
para uma penosa busca de estilo e
conteúdo diferenciados dali em
diante.
Tal busca está refletida nesses
contos, desiguais em qualidade.
Isso dá ao livro um grande interesse arqueológico, mas ao mesmo tempo torna sua leitura por
vezes cansativa e desgastante.
Em especial as primeiras histórias, que relatam explorações do
interior dos personagens, são duras de acompanhar por causa de
sua consistência excessivamente
onírica, abusadamente metafórica e algo alucinada. Brutais são os
relatos -mais jornalísticos do
que fictícios- de visitas do autor
a hospícios e prisões, onde certamente buscava material para
compor personagens que posteriormente se veriam envoltos nas
profundezas da miséria humana.
Os melhores momentos de
"Contos Dispersos" vêm da série
que Moravia (já um pseudônimo,
desde que seu sobrenome real era
Pincherle) assinou como de autoria de Pseudo para a "Gazetta del
Popolo", entre 1941 e 1943, quando seus escritos estavam banidos
pelo regime fascista.
São retratos individuais de pessoas, pintados com pinceladas vigorosas, mas com economia de
detalhes, que revelam ao leitor a
essência da alma do personagem
e lhe permitem refletir sobre si
próprio. Alguns desses contos são
verdadeiras revelações de mistérios de personalidade. Como os
notáveis "O Misantropo", "Os Títeres", "A Burla" ou "A Família
Verderame".
Moravia não tem (como é típico, aliás, na ficção existencialista)
intenções pedagógicas, muito
menos moralistas. Apenas descreve aparentes excentricidades
dos objetos de sua observação e,
assim, compõe uma galeria de tipos os quais o leitor, de repente, se
dá conta de serem talvez até corriqueiros em suas relações.
Como o menino que coleciona
avidamente fantoches mas não
lhes dá nenhuma utilidade até enjoar-se deles ou o homem que se
entusiasma com qualquer pessoa
nova que encontra para se decepcionar quando a conhece melhor
a ponto de eliminá-la definitivamente de sua existência ou ainda
o amigo heróico do jovem que aos
poucos se revela só uma fraude.
CONTOS DISPERSOS - 1928-1951.
Autor: Alberto Moravia. Editora: Bertrand
Brasil. Preço: R$ 48 (406 págs).
Carlos Eduardo Lins da Silva, 49, é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Nonsense em traço e verso Índice
|