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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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ARQUITETURA

Pós-moderno, nos projetos do arquiteto, fica só no revestimento

Ruy Ohtake toma liberdade formal para amparar vazio

GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA

O que dizer da arquitetura de Ruy Ohtake? Objetivamente, há muito pouco a ser dito. As primeiras reações das pessoas em relação a ela são quase sensoriais e ficam apenas no campo da impressão: estranhamento ou sedução pelo encanto algo infantil de carambolas violetas, vidros cor-de-rosa e melancias verdes e pretas.
A segunda aproximação é de ordem inteiramente formal: em meio à generalização de uma arquitetura neo-neoclássica na cidade, que rearranja elementos de estilos diversos, com um receituário pronto, convencional, surge algo que remete a um naturalismo de formas reconhecíveis, literais.
Dentro do campo da visualidade, no Brasil, parece a degenerescência de uma cultura que já foi muito forte (a arquitetura moderna, o concretismo) e que primou pela abstração. A arquitetura de Ruy Ohtake vem daí. Ela não tem correspondência com a produção pós-moderna internacional.
Pois, se podemos dizer que a questão moderna encontrou solo fértil no Brasil, que gerou uma produção própria e afirmativa em diversas áreas da cultura, o mesmo não é válido para o pós-moderno. Pelo menos no campo da arquitetura, passamos direto para a especulação imobiliária, amparada na imagem corporativa das fachadas de vidro espelhado.
Ruy Ohtake, ao lado de Carlos Bratke, Tito Lívio Frascino e Giancarlo Gasperini, faz parte de uma geração de arquitetos que se formou na escola moderna e, entre as décadas de 70 e 80, passou à arquitetura comercial. E o curioso é que o caminho para a negação do moderno, aqui, foi a liberdade individual, supostamente emprestada da arquitetura de Niemeyer. Uma curiosa inversão, pois se tomou uma liberdade da forma que funcionava no registro moderno, para amparar uma arquitetura vazia, sem substância.
Portanto a arquitetura pós-moderna brasileira, ou paulista, resultante desse empréstimo, não deixou de ser moderna. Não há nela os "planos-invólucros" informes que desmontam os volumes, da arquitetura contemporânea internacional. Não há desconstrução dos espaços. Mas, sim, um pastiche de materiais sobre uma base de raciocínio que ainda é o da estrutura. O pós está só no revestimento. Por exemplo, a ênfase simbólica do projeto do Instituto Tomie Ohtake, a carambola, nada mais é que um pilar encapado. Dentro do edifício, a planta é racional. Por isso é uma arquitetura que fica no meio do caminho.
O projeto do hotel Unique também revela a mesma incerteza. Pois, se considerássemos a questão num raciocínio radicalmente moderno, poderíamos dizer: uma forma qualquer, como uma fatia de melancia, pode ser virtuosa se seu comportamento estrutural permitir que ela se realize sem apoios centrais. Isto é: uma forma inusitada que se auto-sustenta pela própria geometria. Mas essa é uma questão ausente do projeto, mais preocupado com os revestimentos.
Expressa o que, então, essa arquitetura? A suposta busca de uma "beleza formal", alegada por Ruy Ohtake, não decorre de nenhum princípio relacional ou estruturante, mas procura se afirmar como um fato em si. E é essa relatividade total que faz com que seja difícil criticá-la fora do registro do juízo de gosto. Mas no nosso caso é mais importante discutir essa dificuldade de estabelecer parâmetros críticos do que as idiossincrasias de sua arquitetura.


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