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ARQUITETURA
Pós-moderno, nos projetos do arquiteto, fica só no revestimento
Ruy Ohtake toma liberdade formal para amparar vazio
GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA
O que dizer da arquitetura de
Ruy Ohtake? Objetivamente,
há muito pouco a ser dito. As primeiras reações das pessoas em relação a ela são quase sensoriais e
ficam apenas no campo da impressão: estranhamento ou sedução pelo encanto algo infantil de
carambolas violetas, vidros cor-de-rosa e melancias verdes e pretas.
A segunda aproximação é de ordem inteiramente formal: em
meio à generalização de uma arquitetura neo-neoclássica na cidade, que rearranja elementos de
estilos diversos, com um receituário pronto, convencional, surge
algo que remete a um naturalismo
de formas reconhecíveis, literais.
Dentro do campo da visualidade, no Brasil, parece a degenerescência de uma cultura que já foi
muito forte (a arquitetura moderna, o concretismo) e que primou
pela abstração. A arquitetura de
Ruy Ohtake vem daí. Ela não tem
correspondência com a produção
pós-moderna internacional.
Pois, se podemos dizer que a
questão moderna encontrou solo
fértil no Brasil, que gerou uma
produção própria e afirmativa em
diversas áreas da cultura, o mesmo não é válido para o pós-moderno. Pelo menos no campo da
arquitetura, passamos direto para
a especulação imobiliária, amparada na imagem corporativa das
fachadas de vidro espelhado.
Ruy Ohtake, ao lado de Carlos
Bratke, Tito Lívio Frascino e
Giancarlo Gasperini, faz parte de
uma geração de arquitetos que se
formou na escola moderna e, entre as décadas de 70 e 80, passou à
arquitetura comercial. E o curioso
é que o caminho para a negação
do moderno, aqui, foi a liberdade
individual, supostamente emprestada da arquitetura de Niemeyer. Uma curiosa inversão,
pois se tomou uma liberdade da
forma que funcionava no registro
moderno, para amparar uma arquitetura vazia, sem substância.
Portanto a arquitetura pós-moderna brasileira, ou paulista, resultante desse empréstimo, não
deixou de ser moderna. Não há
nela os "planos-invólucros" informes que desmontam os volumes, da arquitetura contemporânea internacional. Não há desconstrução dos espaços. Mas, sim,
um pastiche de materiais sobre
uma base de raciocínio que ainda
é o da estrutura. O pós está só no
revestimento. Por exemplo, a ênfase simbólica do projeto do Instituto Tomie Ohtake, a carambola,
nada mais é que um pilar encapado. Dentro do edifício, a planta é
racional. Por isso é uma arquitetura que fica no meio do caminho.
O projeto do hotel Unique também revela a mesma incerteza.
Pois, se considerássemos a questão num raciocínio radicalmente
moderno, poderíamos dizer: uma
forma qualquer, como uma fatia
de melancia, pode ser virtuosa se
seu comportamento estrutural
permitir que ela se realize sem
apoios centrais. Isto é: uma forma
inusitada que se auto-sustenta pela própria geometria. Mas essa é
uma questão ausente do projeto,
mais preocupado com os revestimentos.
Expressa o que, então, essa arquitetura? A suposta busca de
uma "beleza formal", alegada por
Ruy Ohtake, não decorre de nenhum princípio relacional ou estruturante, mas procura se afirmar como um fato em si. E é essa
relatividade total que faz com que
seja difícil criticá-la fora do registro do juízo de gosto. Mas no nosso caso é mais importante discutir
essa dificuldade de estabelecer parâmetros críticos do que as idiossincrasias de sua arquitetura.
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