São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

João Wainer/ Folha Imagem
Em São Paulo para os ensaios de sua peça, todo dia ele faz tudo sempre igual; na foto, o ator cruza a avenida Nove de Julho às 11 da manhã


O ator, o guarda-chuva, o senador e a amante

Com duas peças escritas por ele prestes a ocupar os palcos paulistanos e um filme baseado em sua obra em cartaz, Juca de Oliveira solta o verbo pelas ruas da cidade

Recado de Juca de Oliveira no celular: "Amanhã, às 10h30 em ponto, aqui, para nós começarmos a caminhada. Tem que ser em ponto. Um beijo". Ordem cumprida, às 10h30 a colunista chega à frente do prédio de Juca, na alameda Casa Branca, nos Jardins, para acompanhar seu exercício diário pelas ruas da cidade. De camiseta puída com a inscrição "NY, Nova York", um velho tênis Reebok, shorts e guarda-chuva na mão ("é claro, e se chover?"), ele começa a descer ladeira rumo à avenida Brasil.

 

"Quando você faz a novela das oito, a vida vira uma coisa... olha, uma coisa miserável!", diz Juca, distante das novelas há seis anos e aliviado por conseguir caminhar tranqüilamente por São Paulo. "Tem ator que gosta, né? Oi! Oi!", diz, acenando as mãos para imitar colegas que adoram a badalação do público. "Eu confesso que tenho um certo bode... Na novela, você entra no rolo compressor, industrial. As pessoas gostam do personagem mais que do trabalho do ator. Moro em Itapira [interior de SP, onde tem fazenda] há 33 anos. Toda vez que faço novela, "descobrem" de novo que moro lá."
 

Juca vai cortando caminho, atravessando ruas, correndo entre os carros, procurando sinais fechados para não parar e perder o ritmo. Todas as manhãs, ele anda até a casa da atriz Karin Rodrigues, 67, mulher de Paulo Autran. Ela mora numa praça perto da avenida Brasil.
Os dois então fazem o caminho de volta até o prédio de Juca, e sobem ao apartamento do vizinho dele -Paulo Autran. Juntos, os três tomam café. Um pouco mais tarde, Juca vai à casa de Jô Soares, em Higienópolis, ensaiar "Às Favas com os Escrúpulos". Texto de Juca. Direção de Jô Soares. Estrelado por Juca. E Adriane Galisteu.
 

Estamos perto da avenida Nove de Julho e Juca começa a falar de um velho amigo: o diretor Antunes Filho. "Por 25 anos, ele passou o Natal em casa. Depois, sumiu. Eu telefonava, a empregada dizia que ele não estava. Então eu ligava e falava: "Hola! Soy periodista de "El País"." Ele vinha ao telefone. Um dia a minha mulher falou: "Juca, desiste! O Antunes não te ama'". Os dois se reencontraram recentemente, na estréia da peça "A Pedra do Reino", dirigida por Antunes. Foi uma festa. "Ao contrário do que minha mulher acredita, eu amo o Antunes. E ainda tenho esperança de que ele me ame."
 

Juca diz que "naqueles tempos", década de 70, 80, quando ele e Antunes trabalharam juntos, "a coisa era movida a paixão. Hoje é tudo em função do dinheiro. A coisa ganhou uma dimensão... Uma grande atriz, famosíssima, não vou falar o nome, me contou que tem quatro projetos em andamento [para obter patrocínio]. O que sair primeiro, ela faz. Acabou a paixão, acabou!".
 

A Lei Rouanet, de financiamento por meio de renúncia fiscal, "tem que ser rediscutida", diz Juca. "As empresas dão dinheiro para quem? Para a Fernanda Montenegro, o Tony Ramos, o Juca de Oliveira. E os que não são conhecidos? E os que fazem pesquisa, tentativa de vanguarda? Não são importantes?" Antigamente, diz ele, havia espaço para todos. Hoje, "só quem tem dinheiro faz teatro", diz Juca, "e muitas vezes um teatro mais voltado ao interesse dos patrocinadores, que determinam o que sai e o que não sai". Ele acredita que a decisão de onde aplicar os recursos não deveria ser exclusiva das empresas privadas.
 

Na casa de Karin, pausa para o café. "Novela não alavanca a peça de teatro", diz Juca. "Alavanca, sim. Para patrocínio, alavanca", diz Karin. "Ah! Para patrocínio, sim. Mas não garante o sucesso da peça." Karin diz que "o Paulo [Autran] odeia fazer novela. Odeia a rotina de decorar o texto, gravar, não ter tempo nem de ir ao dentista".
 

Eles falam sobre cinema. Sobre a estréia de "Caixa 2", filme dirigido por Bruno Barreto baseado na peça de Juca que ficou quatro anos em cartaz (1997-2001). "Eu ia fazer o roteiro. Mas aí nos desentendemos e eu saí. Eu não tenho nada a ver com esse filme. Meu nome não aparece, nada. Pelo acordo que fizemos, eu recebo pelo uso do nome da peça, e só", diz o ator.
Bruno queria mexer no enredo da peça. "Para mim, era como um estupro", diz Juca. Em "Às Favas com os Escrúpulos", ele manterá a tradição de estocar a classe política. "A técnica da corrupção, do golpe, se sofistica a cada tempo. As coisas antes eram sub-reptícias. Hoje, estão descaradas." Remontagem da primeira peça de Juca, "Motel Paradiso", de 1981, estreou em Maringá (PR) e chega a SP ainda neste ano.
 

Meio-dia. Hora de pegar o caminho de volta. Paulo Autran está esperando. "Pega o guarda-chuva. Te dei de presente e não quero de volta", diz Karin.
Ela e Juca atravessam a avenida Brasil, correndo. "Vamos, que, se [o sinal] abrir, vamos ficar quatro horas respirando fumaça de escapamento", grita Karin. Eles atravessam, ela suspira: "Pronto! O momento mais perigoso da caminhada passou". Na avenida Nove de Julho, ela tenta passar com o sinal aberto. "Vai, se mata, se mata!", diz Juca. Os dois se conhecem "há décadas. Desde quando ela namorava o Antunes Filho", diz Juca. "Eu achava o Paulo [Autran] chatinho", diz Karin. Antunes Filho volta à conversa.
"Ele não te ama, Juca. Ele só dava papel bom para o Raul Cortez", diz Karin, rindo e piscando para a coluna: "Tô torturando ele!". Juca morde a isca. "E o "Ricardo III" [dirigida por Antunes e estrelada por ele]?"
 

Juca relembra episódios envolvendo ele, Karin e Antunes, mas logo pára. "Senão fica parecendo coisas de celebridade", um mundo que ele diz "ignorar completamente. Não leio as revistas [de fofocas], nada". Curioso, já que ele agora dividirá o palco com Adriane Galisteu, ícone deste universo, que fez "carreira" de celebridade para depois arriscar as de apresentadora e atriz. "Para mim, não tem nenhuma estranheza. Ela é ótima, superprofissional. Não é destituída de talento e pode vir a ser uma grande atriz." Na peça, Juca será um senador corrupto. Adriane, sua amante.
 

São mundos diversos. Por exemplo: Juca, que mal vê novela, por falta de tempo, detesta o "Big Brother Brasil". "Eu não consigo ver. O programa me deixa em grande depressão. As pessoas, ali, mostram suas piores qualidades: pouco caráter, pouco altruísmo e solidariedade; capacidade de mentir, tergiversar. O público gosta pela mesma razão que gostava do circo romano, quando pessoas eram atiradas aos leões." Adriane só não viu mais "Big Brother" "por pura falta de tempo", pois acha a atração "bem legal. Nas primeiras semanas eu assisti mais, porque a Danielle Winits estava em casa e ela é fã.
"Tava" na cara, desde o começo, que o Alemão ia ganhar".
 

Os dois, e mais Bibi Ferreira (no papel de mulher do senador), sobem ao palco com "Às Favas" ainda neste mês.

Frase

"O programa ["Big Brother Brasil"] me deixa em grande depressão. As pessoas, ali, mostram suas piores qualidades: pouco caráter, pouco altruísmo e solidariedade; capacidade de mentir, tergiversar"


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