|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Guia dos curiosos
Grãos de café que passam pelo sistema digestivo
de animais? Aluguel de galinhas poedeiras para
ter ovos frescos em casa? Macacos treinados para colher folhas de chá? Quê? Come-se espermas de peixes? Reportagem da Folha recolhe, na Espanha,
no Japão, nos EUA, na China e no Brasil, exemplos de até onde a gastronomia pode chegar.
(LUIZA FECAROTTA)
Queijo de leite materno
Por conta da recente paternidade, Daniel Angerer, proprietário e chef do restaurante
Klee, de Nova York, inventou
uma iguaria inusitada: queijo
feito do leite de sua mulher e
sócia, Lori Mason. A ideia nasceu do "freezer abarrotado"
com saquinhos de leite de Mason e dos "institutos de culinária natural" de Angerer, conta o
austríaco. Além do ingrediente,
a receita leva leite comum, iogurte, sal marinho e coalho.
Com a criação, Angerer -que
trabalhou em restaurantes como o do aclamado Joël Robuchon, em Paris- elaborou, entre outros, um prato batizado
de "queijo envolto em pó de cogumelo desidratado com chutney de cebola". O produto não é
vendido nem produzido no
Klee, enfatiza o dono, mas em
seu blog (www.danielangerer.com) o chef ensina como
fazer o experimento. Além disso, também oferece uma degustação: "Enquanto o estoque
durar, todos estão convidados a
provar".
(DENISE MOTA)
Chá colhido por macacos
Com o intermédio de Cintia
Lima, amante de chá e dona da
loja Chocolat des Arts, a Folha
entrou em contato com dois
fornecedores chineses para entender o "monkey picked tea"
(chá colhido por macacos, em
tradução livre). Diz a lenda que
monges treinavam os animais
para colher as folhas que cresciam nas mais altas montanhas
da China e que, no século 18,
apenas a corte imperial podia
degustar a bebida.
Hoje, no entanto, o nome
que o chá ganhou no passado
apenas designa "alta qualidade" -são pequenas famílias de
artesãos que realizam a colheita das folhas. Em altitudes elevadas, as plantas ficam em contato com as nuvens e absorvem
mínimas gotículas. Ficam, então, largas, achatadas e com sabor e aroma refrescantes.
"Estão em regiões tão altas
que são difíceis de colher, por
isso são raras e caras", diz Cintia, que encomendou uma
amostra a uma grande empresa
de chá da China para fazer uma
prova e estudar a possibilidade
de vendê-lo na loja.
(LF)
Manga que cai na rede
Já já é época de manga no Japão. E uma única fruta pode
custar até US$ 150 (cerca de R$
260). Quem contou à Folha sobre a a árvore foi a chef Mari
Hirata, radicada em Tóquio. Na
mangueira, redinhas são amarradas em volta das frutas, que
são vendidas apenas quando ficam maduras e, protegidas,
caem naturalmente. "Por isso
são tão gostosas", diz a chef.
As melhores colheitas são as
de árvores com poucas mangas
-na prática, conta, "uma fruta
por galho". O que antes era direcionado ao mercado interno,
caiu nas graças de chineses ricos. Há o costume, ainda, de
leiloar as primeiras mangas do
ano por preços impraticáveis.
"Na verdade, no Japão, tem-se
o culto de comer a primeira
qualquer coisa da estação!"
(LF)
Aluguel de galinha poedeira
Inspirado por uma empresa
australiana, o espanhol Eduardo Otxoa montou, no fim do
ano passado, seu próprio negócio: ele aluga galinhas poedeiras para quem quer comer ovos
fresquinhos. Além de serem
mais saborosos, sabe-se a origem dos ovos. Segundo ele, "se
alterarmos a dieta dos animais,
obtemos sabores diferentes".
Depois de encomendar o serviço, a empresa se encarrega de
levar à casa do cliente o animal,
a palha, a comida e a jaula. "Exigimos um pequeno jardim para
que a galinha possa passar a
maior parte do tempo em liberdade." Hoje, fornecem apenas
em Navarra, mas pretendem
expandir o negócio para o resto
da Espanha e também estudam
a possibilidade de ter sócios na
França e na América Latina.
(LF)
As 'ovas' dos machos
Nevava no interior do Japão.
O violoncelista Daigo Kobayashi havia deixado Tóquio e agora, de volta à cidade natal, passara a preparar corpos para o
funeral. No dia em que pensou
em desistir do trabalho, seu
mestre ofereceu, à mesa, espermas de baiacu, "grelhado com
sal". Fez cara de repulsa. Mas,
quando enfim mordeu um pedaço daquela bolsinha branca
que estava sobre a chapa, abriu
um sorriso. "É muito gostoso,
não?" "É delicioso". "É delicioso... Infelizmente."
A cena faz parte de "A Partida" (2008), longa japonês que
ganhou Oscar de melhor estrangeiro em 2009, mas não é
só em filme que se come as chamadas gônadas ("designação
genérica das glândulas sexuais
que produzem os gametas", no
dicionário). No Japão, a iguaria
é chamada de shirako. E é com
esse nome que Shigero Hirano,
do Tanuki, na Vila Madalena, a
serve a seus clientes. "Se falar o
que é, brasileiro não põe na boca, mas enquanto não sabe o
que está comendo, acha bom."
Segundo o chef, nascido no
Japão, o importante é ter peixes frescos -pode ser sardinha,
olho-de-boi, robalo etc. Para
preparar, há várias formas: cru,
cozido com gengibre, shoyu, saquê e algas; em um caldo de verduras; no vapor. "Cada jeito de
fazer muda o sabor, mas, se você comer sem saber, vai gostar."
Tsuyoshi Murakami, que
também prepara a iguaria em
seu restaurante Kinoshita, diz
que, no Japão, comer shirako é
um sinal de status. E é parecido
com o quê? "Cérebro de cordeiro. Ou... é como se fosse a parte
branca da ostra. Isso, acho que
é a melhor definição, a textura é
igual", fala Murakami.
(LF)
Café digerido por animal
"A vida é muito chata e precisamos descobrir coisas novas",
diz Marco Kerkmeester, dono
da rede Santo Grão. Foi por isso
que trouxe, em 2008, um lote
do café Kopi Luwak, da Indonésia, e, em breve, quer voltar a
servi-lo (R$ 20, o expresso).
"Não há nada parecido aqui.
Acho que todo mundo merece
tomar pelo menos uma xícara."
Considerado o mais caro do
mundo, tem os grãos retirados
das fezes da civeta -animal semelhante ao gambá-, que escolhe os frutos mais adocicados
do pé. O grão sai quase intacto
do sistema digestivo. "É protegido pelo pergaminho [película
entre ele e a polpa]", diz.
Inspirado no método, um fazendeiro do Espírito Santo lançou o Jacu Bird Coffee, já vendido no Suplicy. Um novo lote
deve chegar em três meses (R$
8, o expresso). "A ave tem um
processo digestivo rápido e o
grão não fermenta. Além disso,
é um grão de arábica", conta
Marco Suplicy. "A ave só come
os frutos mais maduros." Mas...
diz ele, "é um café normal, um
bom café normal".
(LF)
Texto Anterior: Tentações Próximo Texto: Mais estranho é o fato de estranhá-los Índice
|