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Mais estranho é o fato de estranhá-los
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
Mais bizarro do que determinadas comidas bizarras é o hábito brasileiro (não só das classes mais abastadas, do povo
também) de rejeitar comidas
que saiam de um restrito repertório do trivial cotidiano.
Por que só arroz, feijão, macarrão e bife? Por que não
coentro (fora da Bahia), jambu
(fora da Amazônia), maxixe
(fora do Nordeste), ora-pro-nobis (fora de Minas)? E por que
não miúdos e partes de animais
que não sejam só o filé mignon
(ou algum tipo de bife)? E por
que não outros animais além
dos poucos de sempre?
Bucho, testículos, miolo; e
também escorpiões, cobras e
lagartos alimentam povos considerados altamente civilizados
e ricos. Os franceses, com seus
sapos e lesmas, talvez tenham-se a eles habituado em função
das guerras (inclusive internas
-durante a Comuna de Paris,
não sobrou pata sobre pata no
zoológico da cidade).
No caso dos chineses, foi a escassez de recursos e o excesso
de população que fizeram nada
ser rejeitado, resultando numa
culinária variada e sofisticada.
O Brasil não sofreu a pressão
das guerras, mas sofre o da escassez, da pobreza. Quando um
nordestino come um calango,
soa como desespero; mas não
deveria ser tão normal quanto
um italiano que caça um tordo?
Nunca comi calango, mas isso é um mau sinal. Significa que
não estão à venda, que ninguém
os prepara como o que são: uma
fonte de proteína a mais que a
natureza oferece, e que possivelmente é gostosa. Certamente, poderia se tornar uma iguaria nas mãos de cozinheiros
aplicados.
Miúdos tendem a ser ultraproteicos e baratos: ideal para
um país pobre. Mas parece que
nosso complexo de Casa Grande extirpou até o gosto pela
aventura do gosto. Uma perda.
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