São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010

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Mais estranho é o fato de estranhá-los

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Mais bizarro do que determinadas comidas bizarras é o hábito brasileiro (não só das classes mais abastadas, do povo também) de rejeitar comidas que saiam de um restrito repertório do trivial cotidiano.
Por que só arroz, feijão, macarrão e bife? Por que não coentro (fora da Bahia), jambu (fora da Amazônia), maxixe (fora do Nordeste), ora-pro-nobis (fora de Minas)? E por que não miúdos e partes de animais que não sejam só o filé mignon (ou algum tipo de bife)? E por que não outros animais além dos poucos de sempre?
Bucho, testículos, miolo; e também escorpiões, cobras e lagartos alimentam povos considerados altamente civilizados e ricos. Os franceses, com seus sapos e lesmas, talvez tenham-se a eles habituado em função das guerras (inclusive internas -durante a Comuna de Paris, não sobrou pata sobre pata no zoológico da cidade).
No caso dos chineses, foi a escassez de recursos e o excesso de população que fizeram nada ser rejeitado, resultando numa culinária variada e sofisticada.
O Brasil não sofreu a pressão das guerras, mas sofre o da escassez, da pobreza. Quando um nordestino come um calango, soa como desespero; mas não deveria ser tão normal quanto um italiano que caça um tordo?
Nunca comi calango, mas isso é um mau sinal. Significa que não estão à venda, que ninguém os prepara como o que são: uma fonte de proteína a mais que a natureza oferece, e que possivelmente é gostosa. Certamente, poderia se tornar uma iguaria nas mãos de cozinheiros aplicados.
Miúdos tendem a ser ultraproteicos e baratos: ideal para um país pobre. Mas parece que nosso complexo de Casa Grande extirpou até o gosto pela aventura do gosto. Uma perda.

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