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BIENAL
Obra do artista Johan Muyle vai reunir pintores indianos de cartazes de cinema e um clássico da história da arte
Belga recria diálogo cinema-pintura
da Reportagem Local
O que os pintores de cartazes para cinema de Madras, na Índia,
têm a ver com uma tela do pintor
italiano Domenichino (1581-1641)
do acervo do museu de Grenoble,
na França?
É que ambos participam da instalação inédita que o "antropofágico" belga Johan Muyle concebeu
para a sua participação na 24ª Bienal, que tem curadoria de Paulo
Herkenhoff e Adriano Pedrosa.
Em entrevista exclusiva à Folha,
por telefone, o artista explicou sua
relação com o cinema e com outras culturas.
Folha - Por que você precisa ir a
Madras, na Índia, para fazer seu
trabalho para a Bienal?
Johan Muyle - Em Madras existe uma grande produção de cinema e uma grande parte dos cartazes publicitários ainda é pintada a
mão. Essa prática também existia
na Europa, mas desapareceu nos
anos 60, para dar lugar às imagens
impressas.
Esse trabalho me interessou porque refaz essa relação entre cinema
e pintura. Também vou a Madras
porque foi ali que encontrei pessoas com quem trabalho há mais
de três anos.
Folha - Esse encontro entre o cinema e a pintura é importante em
seu trabalho?
Muyle - Antes de fazer instalações, fiz assemblages de objetos
animados, que eram como robôs.
Essa idéia de fazer as coisas se mexerem me veio quando eu trabalhava como cenógrafo de cinema,
nos anos 80. Essa idéia de tempo e
de movimento sempre me interessou e por isso comecei a colocar
motores e dar movimento às minhas esculturas. Foi do cinema
também que veio o meu interesse
por grandes imagens.
Folha - Seu interesse pelos cartazes indianos é mais um interesse
pela produção artística ou pelos
valores humanos envolvidos?
Muyle - Existe sobretudo um
interesse pela cultura do outro. O
que mais me interessou foi a relação com o mundo, a relação pluricultural entre o meu trabalho e outras pessoas, países e culturas. Mas
não se trata de um senso de uniformização, como pensam os americanos, por exemplo, mas de um
ideal humanista.
Folha - A cultura indiana influenciou seu trabalho?
Muyle - Para utilizar a cultura
indiana ou a africana é preciso
compreendê-la e isso é muito difícil a partir de um olhar europeu.
Nesse sentido, eu digo que a relação é limitada. Quando se viaja, se
vai em direção ao outro, mas à
procura de si mesmo. Eu procuro
na cultura deles aquilo que se parece comigo. É um tipo de diálogo.
Depois de minha primeira viagem à África, voltei com idéias humanistas, mas no sentido negativo
do termo, cheio de culpas e sentimentalismos. Hoje me interessa
mais dizer que o futuro de qualquer um lhe pertence.
É muito difícil se colocar criticamente em relação às culturas depois de tanto colonialismo e revoluções e ter uma idéia real das relações entre os povos. Por isso decidi
tratar do assunto na minha instalação na Bienal.
Folha - Por que você resolveu basear-se no quadro "Deus Repreende Adão e Eva", de Domenichino
(1581-1641), em sua instalação?
Muyle - Adão e Eva são a primeira representação da idéia de
conflito na história da humanidade. São também a primeira representação antropofágica, canibal,
entre dois seres, já que Deus retirou um pedaço de Adão para criar
Eva. Eles estarão no centro e serão
rodeados por três figuras, com traços europeus, asiáticos e africanos, como uma remissão aos três
Reis Magos.
Mas não irei representar Adão e
Eva como um homem e uma mulher. Adão será um auto-retrato
meu e Eva serei eu travestido. Isso
para não colocar a questão antropofágica como um delito de sexo,
mas como um problema de relação entre o homem e sua condição
humana.
(CELSO FIORAVANTE)
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