São Paulo, quarta, 8 de abril de 1998

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BIENAL
Obra do artista Johan Muyle vai reunir pintores indianos de cartazes de cinema e um clássico da história da arte
Belga recria diálogo cinema-pintura

da Reportagem Local

O que os pintores de cartazes para cinema de Madras, na Índia, têm a ver com uma tela do pintor italiano Domenichino (1581-1641) do acervo do museu de Grenoble, na França?
É que ambos participam da instalação inédita que o "antropofágico" belga Johan Muyle concebeu para a sua participação na 24ª Bienal, que tem curadoria de Paulo Herkenhoff e Adriano Pedrosa.
Em entrevista exclusiva à Folha, por telefone, o artista explicou sua relação com o cinema e com outras culturas.

Folha - Por que você precisa ir a Madras, na Índia, para fazer seu trabalho para a Bienal?
Johan Muyle -
Em Madras existe uma grande produção de cinema e uma grande parte dos cartazes publicitários ainda é pintada a mão. Essa prática também existia na Europa, mas desapareceu nos anos 60, para dar lugar às imagens impressas.
Esse trabalho me interessou porque refaz essa relação entre cinema e pintura. Também vou a Madras porque foi ali que encontrei pessoas com quem trabalho há mais de três anos.
Folha - Esse encontro entre o cinema e a pintura é importante em seu trabalho?
Muyle -
Antes de fazer instalações, fiz assemblages de objetos animados, que eram como robôs. Essa idéia de fazer as coisas se mexerem me veio quando eu trabalhava como cenógrafo de cinema, nos anos 80. Essa idéia de tempo e de movimento sempre me interessou e por isso comecei a colocar motores e dar movimento às minhas esculturas. Foi do cinema também que veio o meu interesse por grandes imagens.
Folha - Seu interesse pelos cartazes indianos é mais um interesse pela produção artística ou pelos valores humanos envolvidos?
Muyle -
Existe sobretudo um interesse pela cultura do outro. O que mais me interessou foi a relação com o mundo, a relação pluricultural entre o meu trabalho e outras pessoas, países e culturas. Mas não se trata de um senso de uniformização, como pensam os americanos, por exemplo, mas de um ideal humanista.
Folha - A cultura indiana influenciou seu trabalho?
Muyle -
Para utilizar a cultura indiana ou a africana é preciso compreendê-la e isso é muito difícil a partir de um olhar europeu. Nesse sentido, eu digo que a relação é limitada. Quando se viaja, se vai em direção ao outro, mas à procura de si mesmo. Eu procuro na cultura deles aquilo que se parece comigo. É um tipo de diálogo.
Depois de minha primeira viagem à África, voltei com idéias humanistas, mas no sentido negativo do termo, cheio de culpas e sentimentalismos. Hoje me interessa mais dizer que o futuro de qualquer um lhe pertence.
É muito difícil se colocar criticamente em relação às culturas depois de tanto colonialismo e revoluções e ter uma idéia real das relações entre os povos. Por isso decidi tratar do assunto na minha instalação na Bienal.
Folha - Por que você resolveu basear-se no quadro "Deus Repreende Adão e Eva", de Domenichino (1581-1641), em sua instalação?
Muyle -
Adão e Eva são a primeira representação da idéia de conflito na história da humanidade. São também a primeira representação antropofágica, canibal, entre dois seres, já que Deus retirou um pedaço de Adão para criar Eva. Eles estarão no centro e serão rodeados por três figuras, com traços europeus, asiáticos e africanos, como uma remissão aos três Reis Magos.
Mas não irei representar Adão e Eva como um homem e uma mulher. Adão será um auto-retrato meu e Eva serei eu travestido. Isso para não colocar a questão antropofágica como um delito de sexo, mas como um problema de relação entre o homem e sua condição humana. (CELSO FIORAVANTE)


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