São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Trabalhos dos anos 70 da artista deixam a mapoteca da filha e ganham exposição pela primeira vez

Obras de Mira Schendel saem das gavetas

Eduardo Knapp/Folha Imagem
A série de obras "Branquinhos", feitas em óleo sobre papel arroz, que pela primeira vez estão expostas, na mostra que será inaugurada amanhã, na André Millan


ANA WEISS
DA REDAÇÃO

Você entra na galeria André Millan e dá de cara com mais ou menos uma dúzia de obras que consagraram mundialmente a produção da artista plástica suíça Mira Schendel (1919-88): um "Sarrafo", pintura sobre madeira da década de 80, objetos gráficos (discos de acrílico que flutuam no espaço) e representantes de suas célebres "Monotipias", grafismos sobre papel japonês realizados nos anos 60. Isso ao lado de outras criações em preto-e-branco e branco e branco, identificáveis como medalhões por qualquer conhecedor mediano de arte brasileira no mundo.
Mas é a segunda sala da galeria que mostra a surpresa da ocasião. Logo na entrada, dezenas de placas de acrílico transparente em formato retangular cortam a visão do espaço em várias alturas. Presas ao teto por fios de nylon transparente de comprimentos diferentes, a montagem exibe uma série de obras desconhecidas da filósofa Mira Schendel.
Trata-se da reunião de 102 desenhos impressos em papel arroz branco, impregnados por óleo claro, que permaneceram guardados por mais de 15 anos em uma pasta etiquetada como "Branquinhos". Pasta da mapoteca de Ada Clara Schendel, 44, única herdeira e depositária oficial do legado em papel da artista.
Esses trabalhos, garante a filha, nunca foram expostos antes da montagem desta exposição, que abre amanhã para convidados e na sexta para o público.
"Não que eu os escondesse dos curadores que passaram pela minha casa à procura de material para exposições. Mas, como não tinham título e não eram tão conhecidas, deixei-as guardadas em uma das pastas que organizei depois da morte de Mira", diz a filha da artista, que coloca à venda, assim, mais de cem trabalhos de sua mãe, escolhidos por ela e por André Millan, dono da galeria que hoje representa a obra da artista.
Mas, apesar do caráter comercial e da ausência de curadoria, a coleção apresentada não vale apenas pelo ineditismo. A surpresa também está em obras de cores vibrantes, pouco vistas e pouco valorizadas, mas que registram uma das "profissões paralelas" de Mira Schendel, a de rata de papelaria (ela também era exímia cozinheira e costureira).
Dividem com os "brancos" quadros povoados por decalques de papelaria, daqueles com estampas de flores, frutas e borboletas que a gente descolava com água e nunca mais conseguia desgrudar da parede. "Apesar do tom intelectual com que tratam o trabalho de Mira, seu jeito de trabalhar foi sempre se divertindo. Ela descobria coisas novas em papelaria e passava a noite inventando coisas. Ficava contente e depois dava tudo aos amigos. Ela tinha um armário de brinquedos que meu filho mais velho [Max Schendel" odeia porque a avó tinha ciúmes, não deixava ninguém mexer", conta Ada Schendel.
E se engana quem concluir que "Branquinhos" passou a vida sem mostra por algum déficit de qualidade ou importância (houve, em meados dos anos 90, uma tentativa frustrada de exibição).
Internacionalmente conhecida pela habilidade intelectual com que colocava os diferentes suportes a serviço de sua arte, Schendel, ela própria, defendia-se da insistência com que sua produção era confinada a leituras críticas definitivas. Ela escreveu certa vez que "Monotipias", seus conceituados e conceitualizados à exaustão objetos, nasceram do acaso: "Eu nunca me propus ao objeto como objeto. Quando ganhei o prêmio de melhor objeto do ano [nos anos 70", fiquei estupefata", descreve ela em texto reproduzido no livro "No Vazio do Mundo", organizado por Sônia Salztein e lançado por ocasião da maior exposição retrospectiva homônima de sua obra, realizada na Galeria de Arte do Sesi, em 1996. E mais: "Foi a temática da transparência que me levou aos objetos", concluiu.
Bem, "Branquinhos" é dos mais transparentes resultados assinados pela artista. Na luz da galeria, os desenhos somem e reaparecem de maneiras diferentes conforme se percorre a montagem, e é impossível definir o que é frente e o que é verso. A artista explicava os famosos objetos gráficos como "tentativas de evitar o atrás e a frente". A exposição dos papéis consegue.


MIRA SCHENDEL. Quando: de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h. Onde: galeria André Millan (r. Rio Preto, 63, SP, tel. 0/xx/11/ 3062-3457. Quanto: obras de R$ 2.500 a R$ 250 mil.



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