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ANÁLISE
Idiossincrática, ela permaneceu longe de dogmas
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
A obra de Mira Schendel deve ser a mais
idiossincrática e independente da arte moderna brasileira do pós-guerra. A artista manteve firme distância
do dogmatismo de grupos
ou orientações poéticas mais
genéricas -talvez por conta
de um princípio interrogativo em seu trabalho.
Seu olho desconfiava do
que via, do sentido das coisas. Através do toque, sua
obra encontrou uma realidade mais pulsante.
Em suas pinturas da década de 50, a artista, ao olhar
para a cena, a decompõe em
blocos pesados de cor, instituindo um desequilíbrio entre as partes. Nas naturezas-mortas, a ordem dos objetos
é desconjuntada.
A unidade do motivo é reconstituída em planos frontais; a obra não reproduz um
espaço visto, uma disposição formal ou de luz, mas lida com esses elementos como peças sólidas, que cartografam o lugar de maneira
afetiva, atribuindo sentido
diverso ao do análogo do
olhar. Na reprodução de um
espaço, as partes se descolam de sua função óptica e
são reagrupadas como elementos singulares.
A artista desconfia de uma
harmonização que imita a
luz natural. Toma cautela,
apalpa as coisas, como se
elas tivessem se descolado de
seu sentido na cena. Em telas
feitas em juta, a cor reduz
sua presença como elemento óptico, mostrando-se matéria arenosa, que se sedimenta lentamente, ocupando o mesmo espaço que nós.
E tudo vira coisa no mundo que perdeu o encanto e
dissolveu os sentidos culturais mais fortes entre os artefatos e os homens. Aí, Mira
se afasta do drama. Pois tais
efeitos não a impedem de
uma ação transformadora.
Nas "Monotipias", traçava
sobre papéis finos linhas
quebradiças, percorrendo a
superfície transparente e potencializando o vazio. Aquele branco, sem frente nem
verso, adquiria a densidade
que o torna particular. O divórcio entre o significado e a
coisa permite à artista retirar
leite de pedra, como se aquelas coisas decaídas no mundano tivessem nova chance.
Na galeria André Millan,
objetos menos importantes
em sua carreira e as obras
que a consagraram parecem
se comungar no uso de signos desencantados, que procuram vida além de seus
sentidos tradicionais.
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