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CRÍTICA
Longas dialogam com traumas coletivos
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
"La Ciénaga" e "Fuck-land" possuem três aspectos em comum. O primeiro é o fato de terem consequências de tragédias políticas argentinas como
pano de fundo -o declínio econômico e moral da classe média
no filme de Lucrecia Martel e a
perda das Falklands para os britânicos no de José Luis Marqués.
O segundo é a busca de um
"realismo" com o mínimo de intervenções e recursos de edição
-levado ao extremo no caso de
"Fuckland", que assina o manifesto Dogma. Por fim, o fato de
chamar a atenção para realidades
longe de Buenos Aires, coisa rara
quando se fala em crise argentina,
na imprensa ou no cinema, onde
as ruas do centro da capital parecem ser o único palco de observação das transformações políticas.
"La Ciénaga" é um drama ficcional que tenciona contar a história da derrocada da burguesia
argentina sem necessariamente
"contar" coisa nenhuma. A cineasta logra seu objetivo justamente por não narrar nada, passeando com a câmera diante de situações familiares cotidianas.
O filme inicia quando Mecha
(Gabriela Borges), uma mulher de
50 anos, bêbada, tropeça na beirada de uma piscina de água turva,
rodeada de outros adultos igualmente alcoolizados, e cai sobre os
cacos de copos quebrados. Em
torno dela e dos ferimentos em
seu peito, metáfora do seio da
mãe-pátria dilacerado, desfilam
personagens e situações.
Expõem-se duas famílias de férias no norte da Argentina, crianças com roupas e cabelos em desalinho, cães sem rumo, homens
idem, mulheres angustiadas que
idealizam viagem à Bolívia que
nunca acontece. Próximo dali,
um pântano onde vacas afundam.
O filme insinua a abordagem de
temas como o incesto, o lesbianismo, a exploração sexual de pobres
por ricos, mas são problemáticas
que não são desenvolvidas. São
questões deixadas intencionalmente em aberto, coerentes com a
inação dos personagens, que passam boa parte do tempo largados
aos acontecimentos. Como a Argentina, não se sabe se estão indecisos ou se apenas desistiram.
Já "Fuckland" é um semidocumentário cômico, gravado clandestinamente, sobre um argentino que viaja às ilhas Falklands para "recolonizá-las" por meio de
seu sêmen, que pretende espalhar
em mulheres locais, dando início
a um movimento de "recolonização". A idéia é uma construção
absurda erigida pelo cineasta para
questionar o que a seus olhos
constituem dois reais absurdos
históricos: o discurso que justificou a guerra das Malvinas (de
ambos os lados) e a infantilidade
dos argumentos usados pelos argentinos para retomar as ilhas.
Com uma câmera escondida, o
protagonista recolhe depoimentos ao narrar sua busca e conquista de uma fêmea nativa. Ironiza os
hábitos locais, é antiético, machista e sente-se superior por estar fazendo os locais de bobo ao filmá-los às escondidas.
Parece querer pregar uma vingança bem-humorada ao colonialismo inglês. O que concretiza, entretanto, é uma sátira à maneira
como a sociedade argentina trata
a memória do drama da guerra,
de forma acrítica e apoiada num
frágil discurso nacionalista.
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