São Paulo, terça-feira, 08 de maio de 2007

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Análise

Livro de Jeffrey Archer apresenta Judas como herói da crítica histórica

Obra é competente e atualiza o processo de "humanização de Cristo"

LUIZ FELIPE PONDÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A indústria (da crítica) cultural continua a devorar o cristianismo. Definido como elemento da "cultura" (nome fantasia para o fetiche moderno que ficou no lugar do conhecimento), o cristianismo poderá ser dilacerado pelas novas teologias políticas, pela demanda de um Jesus mais "quântico", enfim, pela "democratização das sensibilidades e dos saberes". É possível que em mil anos o cristianismo antigo tenha desaparecido, e no seu lugar reste uma mistura de um Judas reabilitado, passando pelas formas variadas de teologias adaptadas ao mercado, desaguando gloriosamente num Barrabás do terceiro mundo.
O fenômeno "Jesus por R$ 1,99 avança": o baixo custo não pode ser apenas econômico, deve ser também existencial. Os excessos da democracia encontram na verdade do marketing sua sociologia gêmea. Não acho que a chamada "grande teologia" ou a crítica exegética (histórica e científica) estejam a salvo desse processo: grande parte dos profissionais da área não percebe a sintonia entre as banalidades da indústria cultural e a indústria da crítica bíblica. O "novo Judas" do "The Gospel According to Judas by Benjamim Iscariot", de Jeffrey Archer, apresenta Judas como um herói da crítica histórica: chegará a hora em que, imitando a sensibilidade "libertária" de nossa época, reabilitaremos Judas "cientificamente".
O formato do livro é competente. Se "O Código Da Vinci" prestava o serviço de devolver o "justo" lugar da mulher como principal herdeira e reprimida na mensagem cristã "verdadeira" (barateando as releituras da teologia feminista), "o novo Judas" atualiza o processo de "humanização de Cristo". Judas não traiu Jesus, pelo contrário, percebeu com clareza que ele não era o Messias e que seria assassinado e quis defendê-lo.
Judas é que foi traído pela "elite" do templo. Boatos gregos inventaram esse negócio de Jesus-Deus e de ressurreição. O texto final, narrado por Judas a seu filho Benjamim, é uma colagem de trechos dos evangelhos oficiais com trechos da novidade "histórica". Na sua velhice como um dos essênios, em suas cavernas no Mar Morto, 40 anos depois, o Judas pai se emociona ao lembrar quando viveu ao lado do Galileu. Preso pelos romanos, na revolta judaica final, sua morte foi igual à de Jesus, crucificado. Amém.


LUIZ FELIPE PONDÉ é filósofo, professor da pós-graduação em ciências da religião da PUC-SP e da faculdade de comunicação da Faap. É autor de, entre outros títulos, "O Homem Insuficiente" (Edusp)

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