São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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Senhor sátira

Admirado por escritores pelo humor fino, catalão Eduardo Mendoza tem obra lançada

Andreu Dalmau - 07.abr.2008/Efe
Eduardo Mendoza, autor de "A Assombrosa Viagem de Pompônio Flato"

FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor espanhol Eduardo Mendoza é ateu. E um estudioso das religiões. "Para se estudar a vida dos insetos não se pode ser um inseto. Podem estudar melhor as religiões os que não temos crença", explica. Conhecer o tema foi fundamental na criação do personagem satírico (e hilário) de "A Assombrosa Viagem de Pompônio Flato", romance lançado no Brasil pela editora Planeta.
Flato, um romano do século 1º, corre o mundo em busca de águas milagrosas que proporcionam sabedoria a quem as bebe. Mas tudo que adquire ao provar todas as águas que encontra pelo caminho são gases, muitos gases.
Vai dar na Palestina ocupada pelos romanos e é contratado por um garoto para ajudar a desvendar um crime atribuído ao pai dele, o carpinteiro José.
O menino, Jesus, "rubicundo", "bochechudo" e com "orelhas de abano", vira assistente de Pompônio na investigação e dele até leva uns cascudos. Para escrever o livro, o catalão Mendoza, 67, valeu-se da Bíblia, de Plínio, o Velho e variados autores greco-romanos, mas principalmente de "A Guerra dos Judeus", de Flavio Josefo (séc. 1º).
"É um grande livro, escrito por um judeu que se sublevou contra os romanos, foi feito prisioneiro e decidiu passar para o lado romano. É um traidor, e gosto muito dos traidores", disse o autor em entrevista à Folha, por telefone.
Mendoza é o chamado "escritor de escritores": admirado pelos pares, mas sem grande sucesso de público. Foi ou é prestigiado por gente como Roberto Bolaño (1953-2003), Ricardo Piglia e Fernando Savater. Este último, seu amigo, comparou "Pompônio" aos romances detetivescos do inglês G.K. Chesterton (1874-1936).
De fato, a sátira inteligente, o sarcasmo, as paródias de humor fino são o forte de Mendoza, que no entanto tem também romances ditos sérios, como "A Cidade dos Prodígios", único outro título lançado no Brasil, nos anos 80, mas hoje fora de catálogo.
Tão ou mais burlesco que "Pompônio" é "Sin Noticias de Gurb", publicado originalmente como folhetim no jornal "El País", que narra os infortúnios de um ET que sai à procura de um colega alienígena perdido numa Barcelona às portas da Olimpíada de 1992.
O autor defende que, apesar de subestimada na largada, a literatura satírica por fim prevalece -cita Cervantes, Joyce, Kafka e Beckett. Ex-tradutor da ONU que por nove anos intermediou conversas de líderes mundiais, sabe também que toda piada oculta verdades inconvenientes.
Avalia que mesmo seu último trabalho é "um pouco triste, porque o protagonista, esse pobre Pompônio, (...) vê que seu mundo, o mundo clássico, da ciência, da filosofia, está desaparecendo, e que virá outro movimento religioso que acabará com a cultura clássica". Reconhecido na Espanha, resigna-se em ser quase ignorado no Brasil e outros países. Crê que os elementos humorísticos tornam difíceis as traduções.
Entrevistá-lo é tão divertido e enriquecedor quanto ler seus livros. A todo instante surge um "insight". Questionado se teve problemas com a Igreja Católica por causa de "Pompônio", diz: "Não, tinha esperança de que acontecesse algo, o que me daria publicidade, mas não, na melhor das hipóteses me excomungaram e eu não sei".
Depois, a sério, conta que até uma uma revista católica progressista espanhola recomendou o livro. "As figuras religiosas não são tratadas com falta de respeito. Os judeus sim, os romanos também, mas as figuras individuais, Jesus, Maria, José são tratados com carinho, porque creio que já são como personagens de nossa pequena mitologia."

Leia a íntegra da entrevista

www.folha.com.br/1012624



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