São Paulo, sexta, 8 de maio de 1998

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Pintura de castas é uma das atrações

CELSO FIORAVANTE
enviado especial à Cidade do México


De espanhol com índia, se produz mestiço. De mestiço com índia, se produz cholo. De índio com negra, se produz lobo. De lobo com negra, se produz chinês. De chinês com índia, se produz cambujo.
Foi assim, com uma série de termos um tanto quanto insólitos, que, no século 18, uma escola pictórica tipicamente mexicana, a "pintura de castas", tentou explicar a diversidade étnica e a formação da identidade mexicana.
A mostra entra no núcleo histórico da Bienal, entre 4 de outubro e 13 de dezembro, no segmento dedicado aos séculos 16, 17 e 18, que tem curadoria dos historiadores de arte Ana Maria Belluzzo e Jean François Chougnet. O segmento trabalhará ainda com obras de Eckhout, Staden, Léry e outros.
Por todas as suas especificidades, deve ser um dos grandes sucessos do evento, embora ainda esteja correndo risco, já que, assim como a Sala Siqueiros, ainda não conta com patrocinador.
A pintura de castas era uma tentativa, bastante maniqueísta, de configurar uma árvore genealógica da mestiçagem e de formular um painel de seus costumes.
As castas -resultado da mistura de etnias- eram o grupo social menos privilegiado do México colonial. Não tinham acesso a cargos administrativos, políticos, eclesiásticos ou militares. Marginalizados, viviam geralmente de trabalhos pesados ou do banditismo.
A pintura de castas era, de certa forma, uma ode à essa mistura de raças, mas também uma forma de perpetuar os preconceitos da época.
A pintura de castas foi, em sua maioria, produzida por artistas anônimos, mas que também encontrou representantes conceituados, como José de Páez e Miguel Cabrera.
São telas que geralmente trazem a mesma configuração familiar: o pai, a mãe e o filho, devidamente identificados por legendas. Funcionam como crônicas de costumes da época, uma vez que reproduzem com detalhes e absoluto refinamento os alimentos, vestuários, profissões, hábitos, objetos, paisagens e arquitetura locais.
Os preconceitos se manifestam na maneira de retratar esses costumes. As uniões em que um dos pares é espanhol, por exemplo, trazem em sua maioria cenas idílicas e de harmonia. Já as cenas com negros ou índios podem ser extremamente violentas, com brigas de casal e crianças chorando.
O preconceito aparece também ao se utilizar nomes de animais, como lobo e coiote, para designar castas resultantes da reunião de índio com negra e índio com mestiça, respectivamente.
Trata-se de uma tentativa de classificação e organização da sociedade em termos pseudo-científicos e civilizados, mas que carrega em si segundas intenções ao criar uma matemática genética obtusa, em que um mais um produz "menos que um".



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