São Paulo, sexta-feira, 08 de junho de 2001

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"Nunca estive "no armário'", afirma o cantor

DO ENVIADO A BEVERLY HILLS

Leia a seguir a entrevista que Michael Stipe deu à Folha, anteontem. A conversa com o líder do R.E.M. aconteceu no Ralph Guild Radio Studio, do Museu de Televisão e Rádio. Tocava "Stir It Up", com Bob Marley.
(SD)

Folha - Vamos direto ao assunto. Você parece ser muito reservado em relação à sua vida pessoal. No entanto há duas semanas deu uma entrevista à revista "Time" em que disse que é homossexual e vive com um homem há três anos.
Michael Stipe -
Bem, isso não é novidade. A entrevista à "Time" foi muito boa, mas tinha duas horas de duração. O repórter pinçou coisas que julgou interessantes e esta foi uma delas. A imprensa britânica, especialmente, pinçou coisas da entrevista já pinçada, como o fato de que eu me referia a mim mesmo como "queer" [gíria para homossexual".
Eu faço essa auto-referência há pelo menos cinco anos. Mas eles se deliciaram! Eu nunca estive "no armário", na verdade. Falei da minha homossexualidade publicamente já em 1993. Estive na capa de revistas gays em 1995. Não é uma grande coisa para mim.
Foi chocante ver as pessoas fazendo um escândalo agora, por uma frase numa entrevista.

Folha - Sim, mas foi a primeira vez que você falou com todas as letras para uma revista da grande imprensa, não?
Stipe -
Pode ser, mas para mim era só mais uma entrevista.

Folha - E as reações?
Stipe -
Bom, todos os jornais britânicos, por exemplo, me estamparam na primeira página. Quero dizer, assumir em 2001 não teria sentido, seria bobo. Eu já assumi faz tempo. Meus amigos, minha família, minha banda, todos sabem que sou gay há uns oito anos. Mas isso vende jornais...
É uma questão pessoal, no entanto, não é da conta de ninguém, por isso não fico falando no assunto toda hora. Falei naquele momento e de novo agora, pois achei que as pessoas ficariam felizes de saber que eu estou feliz.

Folha - De onde vem o nome "Reveal"? Você virou religioso?
Stipe -
[Risos" Na verdade foi mais banal. O disco estava pronto e nós não conseguíamos batizá-lo. No último dia, nosso empresário sugeriu este e gostamos.

Folha - Parte da crítica vem dizendo que este é o melhor CD da carreira do R.E.M. Concorda?
Stipe -
Tenho de concordar, caso contrário não estaria aqui hoje falando com você sobre ele. Um dos meus primeiros mestres, Jim Herbert, com quem trabalhei em vários clipes, uma vez me disse: "Você só é tão bom quanto seu último quadro".
É assim que eu me senti quando este CD ficou pronto, um alívio. Trabalhei tanto tempo com tanta gente. É tão bom colocar as músicas para as pessoas ouvirem e observar as reações... Estou feliz que as pessoas estejam gostando, tenho muito orgulho de "Reveal".

Folha - Quando começa a turnê de "Reveal"? E, mais importante, vai passar pelo Brasil?
Stipe -
Nós não vamos fazer turnê para este álbum. Não queremos. Já fizemos alguns shows promocionais na Europa, o do Brasil e o da Argentina, estamos exaustos. Além disso, ficamos dois anos trabalhando neste álbum, além de tê-lo interrompido para fazer a trilha de "O Mundo de Andy". Faz tempo que a gente não tem férias. Bem mais para a frente, pode ser que façamos uma turnê mundial, Brasil incluído.

Folha - "Reveal" é mais feliz do que "Up", que, apesar do nome, era bem "down". É este o estado de espírito da banda hoje?
Stipe -
"Up" foi um disco muito difícil de fazer, porque foi o primeiro em que gravamos como um trio. E o jeito como o criamos, com várias experimentações, foi mesmo não-ortodoxo. De qualquer maneira, acho que é um bom disco, com boas músicas. Mas "Reveal" foi muito mais fácil fazer para nós três, mais fácil trabalhar como banda, voltar a ser amigos. E é um álbum de verão, a intenção é que seja leve.
A última música, "Beachball", por exemplo, foi minha tentativa de reescrever "Garota de Ipanema". Eu queria recriar aquele sentimento bom que as pessoas têm quando ouvem essa música.

Folha - Para gravar "Reveal", vocês alugaram uma casa em Vancouver, outra em Atenas e outra em Dublin e passaram quase um ano isolados compondo. Era o único jeito para que o R.E.M. voltasse a ser o R.E.M.?
Stipe -
O disco que a gente estava tentando fazer precisava de mais inspiração do que dá para ter nos EUA. Eu conheço este país muito bem, já gravei em várias cidades. A música que você ouve nas ruas aqui é meio monotemática e chata. Não foi o caso em Atenas, em Dublin... Trabalhamos duro para ter mais variação. Repare que uma música é mais acústica, outra é mais mecânica, a terceira mistura as duas... Foi fruto do ambiente, das pessoas, e eu não sinto mais esse estímulo nos EUA.

Folha - Nesse sentido, como é viver num mundo em que as paradas musicais são dominadas por Britney Spears e N'Sync?
Stipe -
Não tem problema. As rádios são uma porcaria há anos, não é de agora. Com poucas exceções. Eu não ouço rádio no meu carro, mas você não consegue evitar escutar nas lojas, nos restaurantes. Desde que eu estou numa banda, há 20 anos, a música que está nas rádios do meu país não é representativa do melhor.
Você não ouve P.J. Harvey ou Björk ou Patti Smith ou Radiohead ou R.E.M. nas rádios. Um ou outro U2 e mesmo um ou outro R.E.M., mas é só.

Folha - O que você ouve quando está sozinho em casa?
Stipe -
Hoje em dia? Todas as pessoas que me inspiram como músico. Radiohead, U2, Patti Smith, Björk, P.J. Harvey, um grupo novo australiano chamado The Avalanches, Travis. E coisas como Brian Eno, Chemical Brothers e um alemão, Dub Taylor.



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