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LIVROS/LANÇAMENTOS
O escritor Renato Pompeu lança obra narrada pelo objeto-símbolo do futebol
Diário de uma bola
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Ela deve ser de couro e esférica e ter no máximo 70 centímetros de circunferência e 450
gramas de peso. Sua pressão deve
oscilar entre 0,6 e 1,1 atmosfera ao
nível do mar. É a maior estrela das
tardes de domingo e agora -em
tempo de Copa- das madrugadas e manhãs brasileiras, mas ninguém nunca abriu o microfone
para escutá-la.
O ex-jornalista e escritor Renato
Pompeu, 60, dá voz àquela que recebe chutes, é bem tratada por
poucos e atormentada por muitos
pernas-de-pau: a bola de futebol.
Em seu romance-ensaio "Memórias de uma Bola de Futebol",
lançado pela Escrituras, é a redonda que [quem" narra. Segundo o autor, ela sempre se percebeu mulher, uma "divindade fêmea". Em suas primeiras lembranças, ela corre sobre o gelo do
Círculo Ártico há 20 mil anos.
Depois, virou esporte na China
-no verão de 2967 a.C., sob as
vistas do imperador Huang Ti e
sua corte, a "tsu-chu", ou, precisamente, "bola-chute", disputou
pela primeira vez um jogo oficial,
entre dois times do Exército imperial- e rodou o mundo.
Segundo o autor, até índios norte-americanos a chutaram, numa
partida que durava dois dias e tinha mil jogadores de cada lado.
Em algumas épocas, como na
Grécia Antiga e em Roma, e na
Europa Ocidental da Idade Média, do Renascimento e do iluminismo, ela foi também jogada
com as mãos. "Muitas vezes em
minha vida, de fato, fui proibida
às mãos, como (...) entre os toltecas e demais povos mexicanos antigos (...). Continuei a ser jogada
com a mão até mesmo no futebol-associação que surgiu em 1863."
Segundo o livro, esquimós jogavam um futebol com uma bola de
couro de caribu estufado com ervas, liquens e pêlos, e havia 30 quilômetros entre um gol e outro.
Considerada burguesa e alienante por alguns, ela percebe que
ser chutada de um lado para o outro era o seu sentido de vida e se
orgulha deste papel: "Eu, como
bola de futebol, ao me restringir
aos pés e ao me proibir para as
mãos, eu é que estou homenageando especificamente a humanidade desse antigo primata".
Pompeu, nascido em Campinas, tem mais 15 livros publicados, como "Quatro-Olhos" e "A
Saída do Primeiro Tempo", ambos lançados pela editora Alfa-Omega.
Em "Memórias da Loucura"
(Alfa-Omega), uma de suas mais
recentes obras, ele embarcou numa viagem confessional desencadeada pelo período em que permaneceu internado em clínica
psiquiátrica, abordando a loucura, o seu tratamento na atualidade
e a sua significação na sociedade
moderna.
"Memórias de uma Bola de Futebol", ou simplesmente "O Livro
da Bola", como ele gosta de dizer,
mostra um número infindável de
casos curiosos, como uma ironia
para nós, brasileiros: a bola, como
é jogada hoje, firmou-se na Argentina.
Segundo o autor, a Fifa e os europeus tentaram introduzir a bola
de plástico como bola oficial em
1953. Diziam que a bola oval e de
couro era uma manifestação do
atraso tecnológico. Por pressão
sul-americana, a bola fabricada
na Argentina foi eleita a oficial.
Apesar de render homenagens a
Leônidas da Silva, que jogou descalço contra a Polônia, pois não se
adaptou ao lodaçal em que havia
se transformado o campo, há bem
pouco da trajetória da bola no
país que reinventou o futebol, ganhou quatro Copas do Mundo e
foi berço de alguns de seus maiores fãs, como Garrincha e Pelé.
Como corintiano, também não
posso concordar com um comentário da narradora, que, quanto
ao jogo Corinthians e Ponte Preta
de 1977, em que estive presente,
ela afirma que "a Ponte jogou
com dez... contra 13 do outro lado!!!", referindo-se à expulsão do
atacante Rui Rei.
O acaso de uma vitória ou derrota, que é a regra que movimenta
[e fascina" o futebol, acaba interferindo no movimento da história. Em 1942, o Dynamo da Ucrânia venceu o Rukh da Alemanha
nazista por 8 a 0. Todos os jogadores ucranianos foram depois fuzilados; ironicamente, fora Hitler
quem convencera o COI a inscrever o futebol entre os esportes
olímpicos para a Olimpíada de
Berlim (1936).
Em tempo de Copa do Mundo,
está aí uma boa leitura aos que
ainda não se decidiram entre dormir cedo ou ficar acordado à espera dos jogos.
Memórias de uma Bola de
Futebol
Autor: Renato Pompeu
Lançamento: Escrituras
Quanto: R$ 16 (80 págs.)
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