São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

O escritor Renato Pompeu lança obra narrada pelo objeto-símbolo do futebol

Diário de uma bola

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

Ela deve ser de couro e esférica e ter no máximo 70 centímetros de circunferência e 450 gramas de peso. Sua pressão deve oscilar entre 0,6 e 1,1 atmosfera ao nível do mar. É a maior estrela das tardes de domingo e agora -em tempo de Copa- das madrugadas e manhãs brasileiras, mas ninguém nunca abriu o microfone para escutá-la.
O ex-jornalista e escritor Renato Pompeu, 60, dá voz àquela que recebe chutes, é bem tratada por poucos e atormentada por muitos pernas-de-pau: a bola de futebol.
Em seu romance-ensaio "Memórias de uma Bola de Futebol", lançado pela Escrituras, é a redonda que [quem" narra. Segundo o autor, ela sempre se percebeu mulher, uma "divindade fêmea". Em suas primeiras lembranças, ela corre sobre o gelo do Círculo Ártico há 20 mil anos.
Depois, virou esporte na China -no verão de 2967 a.C., sob as vistas do imperador Huang Ti e sua corte, a "tsu-chu", ou, precisamente, "bola-chute", disputou pela primeira vez um jogo oficial, entre dois times do Exército imperial- e rodou o mundo.
Segundo o autor, até índios norte-americanos a chutaram, numa partida que durava dois dias e tinha mil jogadores de cada lado. Em algumas épocas, como na Grécia Antiga e em Roma, e na Europa Ocidental da Idade Média, do Renascimento e do iluminismo, ela foi também jogada com as mãos. "Muitas vezes em minha vida, de fato, fui proibida às mãos, como (...) entre os toltecas e demais povos mexicanos antigos (...). Continuei a ser jogada com a mão até mesmo no futebol-associação que surgiu em 1863."
Segundo o livro, esquimós jogavam um futebol com uma bola de couro de caribu estufado com ervas, liquens e pêlos, e havia 30 quilômetros entre um gol e outro.
Considerada burguesa e alienante por alguns, ela percebe que ser chutada de um lado para o outro era o seu sentido de vida e se orgulha deste papel: "Eu, como bola de futebol, ao me restringir aos pés e ao me proibir para as mãos, eu é que estou homenageando especificamente a humanidade desse antigo primata".
Pompeu, nascido em Campinas, tem mais 15 livros publicados, como "Quatro-Olhos" e "A Saída do Primeiro Tempo", ambos lançados pela editora Alfa-Omega.
Em "Memórias da Loucura" (Alfa-Omega), uma de suas mais recentes obras, ele embarcou numa viagem confessional desencadeada pelo período em que permaneceu internado em clínica psiquiátrica, abordando a loucura, o seu tratamento na atualidade e a sua significação na sociedade moderna.
"Memórias de uma Bola de Futebol", ou simplesmente "O Livro da Bola", como ele gosta de dizer, mostra um número infindável de casos curiosos, como uma ironia para nós, brasileiros: a bola, como é jogada hoje, firmou-se na Argentina.
Segundo o autor, a Fifa e os europeus tentaram introduzir a bola de plástico como bola oficial em 1953. Diziam que a bola oval e de couro era uma manifestação do atraso tecnológico. Por pressão sul-americana, a bola fabricada na Argentina foi eleita a oficial.
Apesar de render homenagens a Leônidas da Silva, que jogou descalço contra a Polônia, pois não se adaptou ao lodaçal em que havia se transformado o campo, há bem pouco da trajetória da bola no país que reinventou o futebol, ganhou quatro Copas do Mundo e foi berço de alguns de seus maiores fãs, como Garrincha e Pelé.
Como corintiano, também não posso concordar com um comentário da narradora, que, quanto ao jogo Corinthians e Ponte Preta de 1977, em que estive presente, ela afirma que "a Ponte jogou com dez... contra 13 do outro lado!!!", referindo-se à expulsão do atacante Rui Rei.
O acaso de uma vitória ou derrota, que é a regra que movimenta [e fascina" o futebol, acaba interferindo no movimento da história. Em 1942, o Dynamo da Ucrânia venceu o Rukh da Alemanha nazista por 8 a 0. Todos os jogadores ucranianos foram depois fuzilados; ironicamente, fora Hitler quem convencera o COI a inscrever o futebol entre os esportes olímpicos para a Olimpíada de Berlim (1936).
Em tempo de Copa do Mundo, está aí uma boa leitura aos que ainda não se decidiram entre dormir cedo ou ficar acordado à espera dos jogos.


Memórias de uma Bola de Futebol    
Autor: Renato Pompeu
Lançamento: Escrituras
Quanto: R$ 16 (80 págs.)




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