São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

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"MEU MARIDO"

Volume de contos, escrito pela italiana Dacia Maraini em 1968, dá voz a mulheres unidas pela submissão

Autora colhe cenas da burguesia mínima

DA REPORTAGEM LOCAL

"A minha vida é muito assintomática. Se a conto como a vida de uma pessoa italiana, ninguém acredita, porque é estranha demais", ri Dacia Maraini.
Não é à toa que a escritora o diz, em entrevista à Folha para falar de "Meu Marido", livro de contos que chega agora ao Brasil.
Fala por telefone de Roma, onde escolheu viver, depois de correr mundo, nem sempre por escolha própria: nasceu em Florença (Toscana, norte da Itália), em 1936; passou os primeiros anos no Japão -três deles num campo de concentração, por conta da rebeldia política do pai.
Já na Itália, viveu na Sicília -extremo sul, extremamente pobre-, que foi cenário de alguns de seus livros. Talvez por serem esses fatos a lhe darem mais "italianidade", a opção de sua editora foi considerá-la tão siciliana quanto Verga ou Pirandello.
Nenhum dos contos de "Meu Marido" se passa na Sicília, porém. O pano de fundo são as cidades grandes, onde Maraini pode colher seu objeto preferido: "O mundo que me interessa é o "pequeno-pequeno-burguês", quase proletário. Acho que a riqueza, muitas vezes, falseia as relações com a realidade".
O que une as 12 histórias dessa mínima burguesia é o foco narrativo em primeira pessoa, sempre por mulheres. Nenhuma, garante a autora, é ela mesma.
Nenhuma, aliás, se pretende real. A autora classifica os contos de "Meu Marido" de "grotescos", no sentido de que prescindem de qualquer vínculo naturalista -embora muitas situações sejam duramente verossímeis, em seu dia-a-dia comezinho.
Sem exceção, as narradoras sofrem alguma espécie de submissão -ainda que o livro date de 1968, o ano da contestação.
Desde a personagem do conto-título, anulada pelo caricato marido, até a que, em curiosa inversão do clichê, mantém duas famílias, em duas cidades (e, exausta, acaba escrava da própria ousadia). Passando pela que tem fome, a traída, a que pena na fábrica, elas são muitas e diversas; mas, às vezes, parecem ter a mesma voz.
"É uma questão de ponto de vista. As mulheres foram educadas, historicamente, a olhar o mundo através da janela, enquanto os homens afrontam o mundo. Ser mulher é levar em si uma série de experiências históricas que formam uma segunda natureza. Depois de milhares de anos de educação para o interior, as mulheres olham o mundo de modo um pouco diferente." (FRANCESCA ANGIOLILLO)


MEU MARIDO - ("Mio Marito", 1968). De: Dacia Maraini. Editora: Berlendis & Vertecchia (tel. 0/xx/11/3085-9583). Tradução: Francesca Cavalli. Quanto: R$ 26 (152 págs.).



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