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"MEU MARIDO"
Volume de contos, escrito pela italiana Dacia Maraini em 1968, dá voz a mulheres unidas pela submissão
Autora colhe cenas da burguesia mínima
DA REPORTAGEM LOCAL
"A minha vida é muito assintomática. Se a conto como a vida de
uma pessoa italiana, ninguém
acredita, porque é estranha demais", ri Dacia Maraini.
Não é à toa que a escritora o diz,
em entrevista à Folha para falar
de "Meu Marido", livro de contos
que chega agora ao Brasil.
Fala por telefone de Roma, onde
escolheu viver, depois de correr
mundo, nem sempre por escolha
própria: nasceu em Florença
(Toscana, norte da Itália), em
1936; passou os primeiros anos no
Japão -três deles num campo de
concentração, por conta da rebeldia política do pai.
Já na Itália, viveu na Sicília
-extremo sul, extremamente
pobre-, que foi cenário de alguns de seus livros. Talvez por serem esses fatos a lhe darem mais
"italianidade", a opção de sua editora foi considerá-la tão siciliana
quanto Verga ou Pirandello.
Nenhum dos contos de "Meu
Marido" se passa na Sicília, porém. O pano de fundo são as cidades grandes, onde Maraini pode
colher seu objeto preferido: "O
mundo que me interessa é o "pequeno-pequeno-burguês", quase
proletário. Acho que a riqueza,
muitas vezes, falseia as relações
com a realidade".
O que une as 12 histórias dessa
mínima burguesia é o foco narrativo em primeira pessoa, sempre
por mulheres. Nenhuma, garante
a autora, é ela mesma.
Nenhuma, aliás, se pretende
real. A autora classifica os contos
de "Meu Marido" de "grotescos",
no sentido de que prescindem de
qualquer vínculo naturalista
-embora muitas situações sejam
duramente verossímeis, em seu
dia-a-dia comezinho.
Sem exceção, as narradoras sofrem alguma espécie de submissão -ainda que o livro date de
1968, o ano da contestação.
Desde a personagem do conto-título, anulada pelo caricato marido, até a que, em curiosa inversão
do clichê, mantém duas famílias,
em duas cidades (e, exausta, acaba escrava da própria ousadia).
Passando pela que tem fome, a
traída, a que pena na fábrica, elas
são muitas e diversas; mas, às vezes, parecem ter a mesma voz.
"É uma questão de ponto de vista. As mulheres foram educadas,
historicamente, a olhar o mundo
através da janela, enquanto os homens afrontam o mundo. Ser mulher é levar em si uma série de experiências históricas que formam
uma segunda natureza. Depois de
milhares de anos de educação para o interior, as mulheres olham o
mundo de modo um pouco diferente."
(FRANCESCA ANGIOLILLO)
MEU MARIDO - ("Mio Marito", 1968). De:
Dacia Maraini. Editora: Berlendis &
Vertecchia (tel. 0/xx/11/3085-9583).
Tradução: Francesca Cavalli. Quanto: R$
26 (152 págs.).
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