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LIVROS/LANÇAMENTOS
"WALTER BENJAMIN: TRADUÇÃO E MELANCOLIA"
Tese tem texto claro
Obra tematiza a teoria da tradução de Benjamin
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Resultado de uma tese doutoral, este livro estupendo é a
prova do alto nível que alcançou a
produção intelectual universitária
no Brasil. Um ensaio que abre as
portas para quase todos os ramos
do conhecimento, inclusive a reflexão sobre a linguagem e a natureza, questão essencial sobretudo
hoje em dia, em que "natura" rima com catástrofe, seja lá no hemisfério Norte quanto aqui no
Sul. Afinal, o livro ou a biblioteca
não deixam de ser a planta acumulada e o pré-requisito, a página
em branco, de toda a tradução.
O leitor, mesmo o leigo, entrará
em contato com as interpretações
e implicações linguísticas, filosóficas, psicológicas e políticas do
ato de traduzir e suas afinidades
com o humor melancólico, evidenciadas por Walter Benjamin
(1892-1940), o alemão marxista,
tradutor de Proust e Baudelaire,
que tem despertado o interesse
entre nós, quiçá por conta do lastro cultural barroco em comum.
Em sua tese "A Origem do Drama Barroco Alemão", Benjamin
afirma: "A renascença investiga o
universo, e o barroco, as bibliotecas. Sua meditação tem o livro como correlato". É uma pena que
Benjamin não tivesse a oportunidade de contemplar em Congonhas do Campo os profetas de
Aleijadinho.
O badaladíssimo francês Jacques Derrida, o teórico pós-moderno da desconstrução, foi sortudo em conhecer a transcriação
antropofágica, o ouro barroco de
Haroldo de Campos lavrado no
garimpo descolonizador do nosso eufórico e órfico modernista,
Oswald de Andrade, que dizia da
importância do que se ouve, e não
apenas do que houve.
É de tirar o chapéu para a reflexão de Suzana Kampff Lages, que
leu tudo em várias línguas o que
diz respeito à obra de Benjamin,
acerca da tradução feita pelos
poetas Augusto e Haroldo de
Campos, rompendo o complexo
colonial de inferioridade na maneira de lidar, a partir de dentro
do material linguístico, com as
obras e os autores dos países hegemônicos. Da necessidade de se
traduzirem as obras estrangeiras
com luz própria, espécie de tradução bárbara, para usar um símile
da antropofagia dos anos 20.
Escreve Lages que os poetas Augusto e Haroldo de Campos se valem de "uma estratégia antieurocêntrica, antietnocêntrica, desconstrutiva, articulada a partir do
conceito de canibalismo, entendido como apropriação de energia
vital do outro, a partir de sua destruição, ou seja, a partir de um
conceito central do modernismo
brasileiro, o conceito oswaldiano
de antropofagia".
Num país como o Brasil formar
uma escola de tradutores é uma
coisa tão vital quanto o consumo
de farinha de mandioca, a mandioca como a rainha do Brasil, a
mandioca que foi mastigada pelo
canibal ensaísta Montaigne no século 16, citado por Lages em sua
investigação sobre a leitura dos
textos antigos.
Aliás, esse livro da estudiosa
brasileira vai além de uma exegese da obra benjaminiana. "Tanto
a melancolia quanto a tradução
possuem uma história singular.
Cada nova época procura encontrar novas soluções para antigos
problemas, ou melhor, cada época busca recolocar as antigas
questões em nova chave. No século 20 a história da melancolia recebeu um aporte decisivo com a
teoria psicanalítica de Freud."
Dir-se-ia que o objeto desse livro, parafraseando o filósofo espanhol Ortega Y Gasset sobre a
miséria e o esplendor da tradução, é a ambivalência do ato de
traduzir: o coitado do tradutor,
queimando a mufa em cima de
um texto que não é seu, admirando-o loucamente, ganhando mal
para isso, e o sentimento de júbilo, às vezes interferindo a violência, de transviver o texto alheio. O
que é no fundo o paradigma da
própria atividade intelectual e reflexiva, caso contrário o tradutor
estaria privado de prazer.
Dos textos brasileiros sobre
Benjamin, o de Lages ganha brilho e destaque pela clareza e, pasmem, pela didática. Existe nele
uma unidade orgânica, sem enveredar para a volúpia dos modismos fragmentários que compõem o frenesi pós-moderno.
Evitando o hermetismo esnobe,
sem contudo deixar de tocar em
questões profundas e complexas,
a autora possui o mérito de, ao tematizar a teoria da tradução de
Benjamin, não despolitizar a obra
do grande escritor berlinense.
A despeito dos traços pessoais e
da "interiorização narcísica",
existe em Benjamin a percepção
aguda da "resignação melancólica" na contemporaneidade, sobretudo em relação ao intelectual
de esquerda que abdicou de agir
ou de acreditar na ação, cuja semelhança surge na dificuldade de
narrar com experiência vivida,
enfim, o caráter problemático da
narração no mundo moderno.
O que diria o saturnino e tristonho Benjamin se conhecesse o antípoda disso materializado na
narrativa do folclore, tal qual foi
sistematizado por Luís da Câmara
Cascudo, o brasileiro feliz?
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "Glauber Pátria Rocha Livre"
Walter Benjamin: Tradução e
Melancolia
Autora: Suzana Kampff Lages
Lançamento: Edusp
Quanto: R$ 26 (264 págs.)
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