São Paulo, quinta-feira, 08 de julho de 2004

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2ª FLIP

Escritor Colm Tóibín, que transita entre romance, poemas e ensaios, fala à Folha sobre literatura gay e James Joyce

"Camaleão irlandês" se esgueira por Parati

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A PARATI

Tem um camaleão solto pelas ruas de Parati, um camaleão importado da Irlanda. Ele não muda de cor conforme a paisagem, mas troca de gêneros literários como poucos escritores no cenário mundial. Prova disso é que Colm Tóibín está lançando no Brasil um livro de ensaios e um romance e é um dos poucos convidados da Flip que participará de duas mesas, uma como ficcionista, outra como crítico literário.
Hoje ele divide a Tenda dos Autores com Siri Hustvedt (EUA) e Lídia Jorge (Portugal). "A Luz do Farol", um de seus principais romances (Companhia das Letras), finalista do Booker Prize, vai ser servido ao público. Amanhã ele muda de coloração e, com o verde de sua Irlanda no peito, fala sobre o conterrâneo James Joyce.
O multifacetado escritor de 48 anos, que se define simplesmente como "um insólito", não é novato em Terras Brasilis. Como jornalista (outra das cores do camaleão), foi correspondente na Argentina e chegou a visitar o Brasil, em 1985. Como turista, perambulou por Salvador, para onde diz que voltará ao acabar a Flip.
Antes disso, nas ruas da cidade colonial fluminense, o camaleão brinca de "se transformar em modelo". "Aonde vou, me fotografam. Estou me sentido a Gisele Bündchen", diz o bem-humorado escritor, que já dividiu piadas com Paul Auster, Martin Amis e Ian McEwan, durante passeio de barco anteontem em Parati.
Na conversa com a Folha, Tóibín deixou o sorriso de lado para passar com o amor, o "Amor em Tempos Sombrios", outro livro que lança aqui, pela editora Arx, com artigos sobre escritores homossexuais. O camaleão irlandês, que acaba de colher elogios de John Updike na revista "New Yorker", por seu romance mais recente, "The Master", também dá pistas de suas próximas tonalidades: estreará em breve sua primeira peça teatral e vai publicar um volume de poemas.
 

Folha - Você tem uma palestra marcada sobre James Joyce. Como pretende dar conta de um personagem que já serviu de tema para todos os tipos de estudos?
Colm Tóibin -
Vou começar falando sobre Dublin hoje, sobre o que restou de Joyce por lá. Quando saio de minha casa, passo todos os dias por dezenas de lugares que estão descritos em "Ulisses". Parte da cidade vive no livro da mesma forma que parte do livro vive na cidade. A outra coisa sobre a qual quero falar é como a Irlanda foi vagarosa para começar a reconhecer o livro. Ignorou "Ulisses" por décadas. Por fim quero falar sobre Joyce como um irlandês, olhando a herança do século 19 e ao mesmo tempo com suas grossas lentes voltadas ao futuro.

Folha - Um influente jornal inglês, em recente artigo sobre sua obra, chegou a usar o adjetivo-chave de Joyce para se referir a você, gênio. Como recebeu esse "golpe"?
Tóibín -
Isso é baboseira, não é verdade. Nego que seja gênio.

Folha - A sua genialidade estaria relacionada à capacidade de se camaleonear dos contos para o romance, da ficção para o ensaio. Qual o próximo passo?
Tóibín -
Ainda me faltava o teatro, mas estou dando um jeito nisso. Assim que terminar a "turnê" brasileira, me enfiarei em um teatro na Inglaterra, onde vou estrear minha primeira peça, não como diretor, como o pobre do autor.

Folha - O artigo que citei dizia que sua elasticidade entre tantos gêneros era facilitada pelo fato de você ser irlandês. Faz sentido?
Tóibín -
Não sei se tem nexo. São muito poucos os escritores que fazem romances, ensaios, poemas, peças. É um bocado raro. Talvez só eu faça tudo isso. Mas não me peça para explicar como.

Folha - Em seu livro "Amor em Tempos Sombrios" você cita a idéia desenvolvida por Borges de que judeus e irlandeses foram importantes para a literatura por serem parte de uma cultura, mas serem distantes dessa mesma cultura. Você estende isso aos homossexuais. Como você explica que outras "minorias", como negros ou mulheres, não assumiram um papel equivalente?
Tóibín -
Nos últimos 20 anos as mulheres começaram a ter um peso importante nas letras. Os negros de certa forma também ganharam espaço, nada comparado ao que terão no futuro. O que me parece cada vez mais claro é que a periferia está virando o centro, o que pode ser visto já em García Márquez. Os jovens brancos de sociedades poderosas não têm mais o mesmo predomínio.

Folha - Seu livro trata da relação de homossexualidade e literatura. Acha que a opção sexual também tem peso equivalente na produção de música, pintura ou outras artes?
Tóibín -
Acho que sim. Acrescenta em termos de variedade. Negar que um artista gay é gay é estúpido. É uma forma de incentivar os gays a se esconderem, a não assumirem a sexualidade. Os gays precisam de uma história.

Folha - Certa vez li um artigo sobre você que afirmava que você não gostava que sua literatura fosse chamada de gay. É verdade?
Tóibín -
Não, não ligo a mínima. Quando você está trabalhando, essa é a última coisa que te preocupa. Seja lá qual o rótulo que grudem em você, de irlandês a gay, não tem a menor importância. Não me incomodo de ser um "escritor gay", mas quando sento na escrivaninha para trabalhar não fico pensando: "Sou gay, sou gay". Quando estava fazendo meu livro mais recente, que me tomou três anos, recebi uma carta de alguém que estava fazendo uma pesquisa sobre literatura gay. Quando abri a carta, me surpreendi. Estava tão imerso que tinha esquecido que era gay.

Folha - Não me referia ao fato de você ser chamado de gay, mas à sua literatura.
Tóibín -
Isso é mais difícil. O problema de falar em literatura gay é que cada escritor é diferente. Gays são diferentes uns dos outros, como os heteros. A literatura gay não existe.

Folha - Seu "A Luz do Farol" tem a Aids como tema. O livro é anterior à descoberta do coquetel de remédios contra a doença. O romance seria diferente hoje?
Tóibín -
Ah, sim, hoje a narrativa seria diferente. A literatura na fase crítica da Aids era muito marcada por ela. Era como se você estivesse escrevendo sobre um período de guerras. Hoje isso mudou.


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