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2ª FLIP
Escritor Colm Tóibín, que transita entre romance, poemas e ensaios, fala à Folha sobre literatura gay e James Joyce
"Camaleão irlandês" se esgueira por Parati
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A PARATI
Tem um camaleão solto pelas
ruas de Parati, um camaleão importado da Irlanda. Ele não muda
de cor conforme a paisagem, mas
troca de gêneros literários como
poucos escritores no cenário
mundial. Prova disso é que Colm
Tóibín está lançando no Brasil um
livro de ensaios e um romance e é
um dos poucos convidados da
Flip que participará de duas mesas, uma como ficcionista, outra
como crítico literário.
Hoje ele divide a Tenda dos Autores com Siri Hustvedt (EUA) e
Lídia Jorge (Portugal). "A Luz do
Farol", um de seus principais romances (Companhia das Letras),
finalista do Booker Prize, vai ser
servido ao público. Amanhã ele
muda de coloração e, com o verde
de sua Irlanda no peito, fala sobre
o conterrâneo James Joyce.
O multifacetado escritor de 48
anos, que se define simplesmente
como "um insólito", não é novato
em Terras Brasilis. Como jornalista (outra das cores do camaleão), foi correspondente na Argentina e chegou a visitar o Brasil,
em 1985. Como turista, perambulou por Salvador, para onde diz
que voltará ao acabar a Flip.
Antes disso, nas ruas da cidade
colonial fluminense, o camaleão
brinca de "se transformar em modelo". "Aonde vou, me fotografam. Estou me sentido a Gisele
Bündchen", diz o bem-humorado
escritor, que já dividiu piadas
com Paul Auster, Martin Amis e
Ian McEwan, durante passeio de
barco anteontem em Parati.
Na conversa com a Folha, Tóibín deixou o sorriso de lado para
passar com o amor, o "Amor em
Tempos Sombrios", outro livro
que lança aqui, pela editora Arx,
com artigos sobre escritores homossexuais. O camaleão irlandês,
que acaba de colher elogios de
John Updike na revista "New Yorker", por seu romance mais recente, "The Master", também dá
pistas de suas próximas tonalidades: estreará em breve sua primeira peça teatral e vai publicar um
volume de poemas.
Folha - Você tem uma palestra
marcada sobre James Joyce. Como
pretende dar conta de um personagem que já serviu de tema para todos os tipos de estudos?
Colm Tóibin - Vou começar falando sobre Dublin hoje, sobre o
que restou de Joyce por lá. Quando saio de minha casa, passo todos os dias por dezenas de lugares
que estão descritos em "Ulisses".
Parte da cidade vive no livro da
mesma forma que parte do livro
vive na cidade. A outra coisa sobre a qual quero falar é como a Irlanda foi vagarosa para começar a
reconhecer o livro. Ignorou "Ulisses" por décadas. Por fim quero
falar sobre Joyce como um irlandês, olhando a herança do século
19 e ao mesmo tempo com suas
grossas lentes voltadas ao futuro.
Folha - Um influente jornal inglês, em recente artigo sobre sua
obra, chegou a usar o adjetivo-chave de Joyce para se referir a você,
gênio. Como recebeu esse "golpe"?
Tóibín - Isso é baboseira, não é
verdade. Nego que seja gênio.
Folha - A sua genialidade estaria
relacionada à capacidade de se camaleonear dos contos para o romance, da ficção para o ensaio. Qual
o próximo passo?
Tóibín - Ainda me faltava o teatro, mas estou dando um jeito nisso. Assim que terminar a "turnê"
brasileira, me enfiarei em um teatro na Inglaterra, onde vou estrear
minha primeira peça, não como
diretor, como o pobre do autor.
Folha - O artigo que citei dizia
que sua elasticidade entre tantos
gêneros era facilitada pelo fato de
você ser irlandês. Faz sentido?
Tóibín - Não sei se tem nexo. São
muito poucos os escritores que fazem romances, ensaios, poemas,
peças. É um bocado raro. Talvez
só eu faça tudo isso. Mas não me
peça para explicar como.
Folha - Em seu livro "Amor em
Tempos Sombrios" você cita a idéia
desenvolvida por Borges de que judeus e irlandeses foram importantes para a literatura por serem parte
de uma cultura, mas serem distantes dessa mesma cultura. Você estende isso aos homossexuais. Como
você explica que outras "minorias",
como negros ou mulheres, não assumiram um papel equivalente?
Tóibín - Nos últimos 20 anos as
mulheres começaram a ter um
peso importante nas letras. Os negros de certa forma também ganharam espaço, nada comparado
ao que terão no futuro. O que me
parece cada vez mais claro é que a
periferia está virando o centro, o
que pode ser visto já em García
Márquez. Os jovens brancos de
sociedades poderosas não têm
mais o mesmo predomínio.
Folha - Seu livro trata da relação
de homossexualidade e literatura.
Acha que a opção sexual também
tem peso equivalente na produção
de música, pintura ou outras artes?
Tóibín - Acho que sim. Acrescenta em termos de variedade. Negar
que um artista gay é gay é estúpido. É uma forma de incentivar os
gays a se esconderem, a não assumirem a sexualidade. Os gays precisam de uma história.
Folha - Certa vez li um artigo sobre você que afirmava que você não
gostava que sua literatura fosse
chamada de gay. É verdade?
Tóibín - Não, não ligo a mínima.
Quando você está trabalhando,
essa é a última coisa que te preocupa. Seja lá qual o rótulo que
grudem em você, de irlandês a
gay, não tem a menor importância. Não me incomodo de ser um
"escritor gay", mas quando sento
na escrivaninha para trabalhar
não fico pensando: "Sou gay, sou
gay". Quando estava fazendo meu
livro mais recente, que me tomou
três anos, recebi uma carta de alguém que estava fazendo uma
pesquisa sobre literatura gay.
Quando abri a carta, me surpreendi. Estava tão imerso que tinha esquecido que era gay.
Folha - Não me referia ao fato de
você ser chamado de gay, mas à sua
literatura.
Tóibín - Isso é mais difícil. O problema de falar em literatura gay é
que cada escritor é diferente. Gays
são diferentes uns dos outros, como os heteros. A literatura gay
não existe.
Folha - Seu "A Luz do Farol" tem a
Aids como tema. O livro é anterior à
descoberta do coquetel de remédios contra a doença. O romance seria diferente hoje?
Tóibín - Ah, sim, hoje a narrativa
seria diferente. A literatura na fase
crítica da Aids era muito marcada
por ela. Era como se você estivesse
escrevendo sobre um período de
guerras. Hoje isso mudou.
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